Por Rodrigo Garcia Lopes
Como você vê a importância e a presença cultural das chamadas poéticas orais, ou da etnopoesia, na poesia americana contemporânea?
Como você vê a importância e a presença cultural das chamadas poéticas orais, ou da etnopoesia, na poesia americana contemporânea?
A etnopoética não teve muita influência, sinto dizer, em termos de quais são seus potenciais. A verdade é que pouquíssimos leitores e escritores se importam com as tradições orais. Para mim e para alguns colegas meus é um grande interesse, e acho que há muito a se aprender com elas, principalmente a importância da performance. Toda literatura oral é, por definição, apresentada Há muito a se aprender com elas, há todo um ensinamento que vai com isso, para explicar como as tradições orais - antes da descoberta ou invenção da escrita, ou em culturas que não tinham escrita - ainda assim podem ser tão ricas, como podem ter tantas canções e histórias nas tradições orais. Milhares e milhares de histórias e canções podem existir dentro de uma tradição oral. Como você deve saber, os textos fundadores da literatura ocidental, a Ilíada e a Odisseia, eram orais, para começar, e só mais tarde foram escritos. Mas na América do século 21 existem formas contemporâneas praticadas como performances orais que ainda podem ser testemunhadas. Hoje o mais próximo disso são as "poetry slams" [competições de poesia falada], onde os poetas têm que memorizar seus poemas e fazer uma apresentação inteiramente oral. A arte da performance - onde geralmente o poeta ou o artista é também o "performer" - as performances beiram o teatro, dança, ritual e cerimonial: todas essas são qualidades da arte oral. A maioria de nós não está praticando isso, mas é algo que aprendemos e respeitamos. Nas poéticas orais a linha entre poesia e prosa não é tão clara, porque toda as tradições dramáticas de narrar estórias são métricas e rítmicas, e é como uma forma de verso livre solta ou até concisa. Se você já assistiu uma sessão de narração tradicional, e ainda há muitos indígenas especialistas nisso, contadores de histórias vivos, que às vezes cantam ou semi-cantam. Na Ásia Central há uma tradição forte na Mongólia, no Azerbaijão ou na Turquia. Nestes lugares ainda se pratica isso, embora eles tenham escrita. Nossos romances em prosa são artificialmente chatos e planos de certa maneira. E as histórias não seriam bem recebidas se fossem escritas como os contos. Dennis Tedlock, que é um estudioso proeminente da literatura oral, e cujo campo é a antiga língua e a narrativa maia, e ele também trabalha com as tradições Zuni do Sudoeste dos EUA. Ele desenvolveu um sistema de escrever estórias, em inglês, tal como são contadas, com versos de extensões diferentes e diferentes tamanhos de fontes: fontes grandes para vozes altas e pequenas fontes para vozes suaves, e fontes minúsculas para sussurros. É muito bom e rico o que ele fez, mas ninguém aprendeu muito com isso. Nós apoiamos da boca pra fora as tradições orais mas a maioria das pessoas não conhece nada sobre isso.
E isso reflete o caráter marginal das culturas indígenas na cultura norte-americana.
Claro que estas culturas são marginais, todo mundo sabe disso. Embora eles tenham uma proteção legal e uma voz forte eles são numericamente pequenos. E claro que a tradição oral não é nativa só dos EUA: ela se encontra também na América do Sul, no sul da Ásia, e por toda a África, e está presente ainda aqui ou ali na Europa, mas não há ninguém fazendo algo com isso realmente. Eu diria que a tradição oral mais viva na cultura americana são as piadas sujas.
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Você foi um dos fundadores do movimento da Ecologia Profunda. E como você vê o movimento ecológico hoje, especialmente nos EUA?
Quando comecei a escrever poesia a ideia de um escritor se interessar por ecologia, pelo mundo natural e por filosofias orientais soava como algo bizarro para a maioria das pessoas. Achavam que eu deveria ser eurocêntrico. Agora creio que há uma maneira mais cosmopolita de se perceber as coisas, por isso as entrevistas se tornaram um pouco mais interessantes. O governo Bush se voltou contra o movimento ecológico. Hoje há duas correntes, eu diria: num nível nacional, um grupo que trabalha como um organização, um lobby, com escritórios em Washington, e que tenta mudar a legislação. Do outro lado, grupos regionais e locais que estão em toda parte, existem as pessoas que estão trabalhando em suas próprias regiões e bacias hidrográficas, a maioria sendo voluntária, e que são pessoas comprometidas em trabalhar com temas locais, e estes estão trabalhando muito bem. Em todo o país, ambientalistas regionais e locais têm chegado a algum tipo de consciência sobre o mundo não-natural, e também uma compreensão maior sobre a viabilidade da natureza. Isto se vê no movimento das bacias hidrográficas: as pessoas entendem que as bacias são ecossistemas em si mesmos, e que através da compreensão da qualidade da água é possível saber o que está errado com nosso sistema. E também há o tema da biodiversidade, o que significa potencialmente perder muitas espécies causada pelo comportamento humano, como a pesca predatória, ou intolerância aos lobos no norte das Montanhas Rochosas, ou com os ursos pardos e outros grandes animais. Em geral, as pessoas acham que a natureza é uma inconveniência . As forças econômicas que impulsionam o desmatamento excessivo na bacia amazônica ou na Indonésia, através de companhias japonesas e chinesas, são um problema global. Por isso, uma das primeiras áreas a ser corrigida é a imaginação humana do mundo. Costumo dizer que a imaginação humana do mundo existente num haiku pode ser a mesma que vai salvar o mundo. Essa imaginação que leva em conta o outro, que neste é caso é simplesmente o outro, o não-humano.
(...)
É possível traçar uma linha de americanos outsiders, que fundem cultura e natureza, uma ética transcendentalista que recorre em momentos da história americana? Você se vê como parte de uma tradição?
Claro que sim. Aprendi muito com Henry David Thoreau, Ralph Waldo Emerson ou Walt Whitman, mas não vejo a ideia do Transcendalismo e do Romantismo estão ressurgindo. Essa visão não é muito útil. Não é assim que as coisas acontecem, porque as influências estão constantemente correndo juntas. Todas essas coisas são simplesmente componentes do passado e o presente corre adiante. Eu diria que um dos componentes mais fortes do passado do mundo desenvolvido é a história de Abraão, a ideia de que Jeová deu a algumas pessoas a Terra Prometida. Que ideia intoxicante! A ideia de que aquela terra foi prometida a você, mesmo que exista gente morando ali, você pode ir lá e se apropriar. Foi isso que os judeus fizeram com Canaã, e foi isso que os europeus fizeram com a América do Norte, que eles a chamaram de "a Terra Prometida". Você já havia pensado nisso? A Califórnia era chamada de Terra Prometida quando as pessoas estavam se movendo rumo ao Oeste, só que já havia gente morando nela! . Nós não temos que nos preocupar com quem está lá porque nos foi prometida, Deus nos deu, é a promessa divina da Torá, da Bíblia, é parte do pacto de Abrãao. Isto não é só falar de religião enquanto uma abstração, leia de novo o livro do Gênesis para entender o que estou querendo dizer. Nós não tínhamos conhecimento deles mas assumimos que era nossa. Já a ideia do "Destino Manifesto" é apenas uma outra maneira de invocar essa psicologia da Terra Prometida: o governo central americano do século 19 daquele tempo afirmava que toda a América do Norte havia sido prometida a nós.
(Fragmentos de uma entrevista com o poeta norte-americano, realizada por Rodrigo Garcia Lopes, publicada em 2009 no jornal O Estado de S. Paulo. A primeira parte da matéria está na página http://estudiorealidade.blogspot.com/2009/05/entrevista-com-gary-snyder-por-rodrigo.html, e a segunda, em http://estudiorealidade.blogspot.com/2009/06/entrevista-historica-com-gary-snyder.html, vale a pena conferir.)
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