Luci Collin
Poeta e ensaísta, com dezoito livros publicados, traduzido em mais de vinte línguas, antropólogo, montanhista, ecoativista, indigenista, agricultor, zen-budista, linguista, tradutor e professor, Gary Snyder (Califórnia, 1930) convida à percepção da interdependência entre todos os seres e levanta uma problemática intensa que envolve as possibilidades de sobrevivência do homem no mundo ameaçado de extinção. O interesse de Snyder pela filosofia oriental, pela cultura ameríndia e pela natureza fortaleceu o elemento beatífico em sua vida e em seus poemas, marcados pela rejeição de muitos dos valores da civilização ocidental. Sua obra se desenvolveu organicamente a partir de uma infância em meios rurais (em Washongton e Oregon) e de experiências como lenhador, andarilho, vigia florestal, marinheiro e estudante de zen. Para Snyder, cuja poesia funciona como um programa de resistência em uma era de opressão política e ideológica, cada poema tem seu próprio contexto interior e o trabalho do poeta é “deixá-lo crescer, deixá-lo falar por si mesmo”.
Beat – O primeiro livro de Snyder, Riprap (1959), apareceu durante a atmosfera de contracultura que marcou a América imperialista e niilista dos anos 50 e 60. É desta época a geração beat, que professava o “individualismo grupal”, anárquico, a devoção pela poesia instintiva e o conceito de “iluminação” derivada do êxtase sexual, do álcool, das drogas ou da prática de religiosidade eclética. Entre as vozes beat mais importantes estavam os escritores Jack Kerouac – cujo livro On the Road (1957) é um dos marcos do movimento – Allen Ginsberg, Williamm Burroughs, Lawrence Ferlinghetti e Gary Snyder. Snyder conheceu Kerouac em 1955 (moraram juntos numa cabana em Mill Valley – experiência que serviu de fonte para o romance autobiográfico The Dharma Bums, de Kerouac, onde Snyder é “Japhy Ryder”). (...) Apesar de ter sido considerado um dos gurus do movimento beat, desde Riptrap, Snyder criou uma poesia que não se caracteriza pelo tom acusativo das reivindicações contra a cultura (como em Howl). O papel de Snyder como beat foi sobretudo o de ter incentivado o estudo formal do zen-budismo, tendo ele mesmo em 1956 partido para o Japão onde, por anos, estudou em profundidade a filosofia zen em mosteiros budistas.
(Fragmentos do ensaio publicado na revista Medusa n. 2. Curitiba, 1999)
Caro,
ResponderExcluircomo disse outrora, seu blog instiga ao aperfeiçoamento. Não passei imune a Kerouac nem a Ginsberg na adolescência. Contudo, não pude estudar as profundezas e as adjacências do movimento beat. Portanto, passei despercebido por Snyder. Agora, com um pouco de nostalgia, vejo o garoto que queria colocar o "pé na estrada", emitindo "uivos" de uma alcatéia devassa interna, se inclinar ao (re)descobrimento humilde de uma antiga vertente (cujo exemplar - talvez mais relevante - ainda é inédito para mim). Abraços!
Caro Wilson, comigo foi a mesma coisa: quando li os beats na adolescência, especialmente Ginsberg, fiquei apenas na superfície, e não percebi a profundidade de um Snyder ou de um McClure, especialmente; eles dizem muito a nossa época, em minha opinião. Deixando de lado aspectos estéticos, geracionais e históricos já datados e uma transgressão que virou rotina, ainda há o que (re)descobrir em seus escritos, sobretudo a relação com a natureza, por exemplo. Não é à toa que acontecem tantos desastres ecológicos, climáticos etc.: nós não respeitamos a natureza, e agora pagamos a conta de nossa insensatez.
ResponderExcluir