segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

PROGRAMAÇÃO DE MARÇO DA CURADORIA DE LITERATURA E POESIA DO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO



I Festival Poesia Nova

O Festival Poesia Nova é um evento anual da Curadoria de Literatura e Poesia do Centro Cultural São Paulo que tem a proposta de divulgar autores brasileiros, jovens ou consagrados, que trabalham com novas tecnologias poéticas – como a poesia visual, sonora, digital, o poema-objeto, o poema-instalação, entre outras modalidades. O Festival incluirá também mesas de debates, recitais, performances, lançamentos de livros e revistas, com entrada franca. Com o objetivo de mostrar que o diálogo entre a poesia e as outras linguagens artísticas está presente mesmo em manifestações tradicionais da cultura popular brasileira, incluímos, nesta primeira edição do evento, apresentações de grupos de cordelistas da cidade de São Paulo. 


Terça-feira, 11 de março

Abertura da Mostra Videopoéticas II, nas dez telas de plasma espalhadas no Centro Cultural São Paulo.

17h Encontro de cordelistas, ao ar livre, na entrada principal do CCSP.

20h30 Performances de Lúcio Agra, Paulo Hartmann, Marcelo Sahea; apresentação das revistas eletrônicas Zunái e Mallarmargens.

SALA ADONIRAN BARBOSA


Quarta-feira, 12 de março

17h Encontro de cordelistas

19h Mesa A poesia e os meios eletrônicos, com Ernesto Melo e Castro, Omar Khouri, Jorge Luís Antônio

Mediação: Edson Cruz

20h30 Performance de Nina Rizzi e recital com Claudio Willer, Rubens Jardim, Victor Sosa, Estrela Ruiz Leminski, Edson Cruz, Andréia Carvalho, Nuno Rau, Diogo Cardoso, Daniel Faria, Karine Kelly, Roberta Ferraz, Fabrício Slaviero, Claudio Daniel, Andréa Catrópa, Edson Bueno de Camargo, Thiago Ponce de Moraes, Natália de Barros, Luiz Ariston Dantas, Greta Benitez.

Lançamento do livro A duração do deserto, de Nina Rizzi.

SALA ADONIRAN BARBOSA


Quinta-feira, dia 13 de março

20h30 recital com Antônio Moura, Adriana Zapparoli, Chiu Yi Chih, Mariela Mei, Marcelo Ariel, Alexandre Pedro, Luiz Ariston Dantas, Alex Dias, Rubens Zárate, Rosana Piccolo e Adriana Brunstein.

SALA DE DEBATES


Poemas à Flor da Pele

Sarau poético realizado pelo grupo Poemas à Flor da Pele, com a participação de músicos e atores. Haverá também o lançamento de livros de poesia de novos autores.

Sexta-feira, dia 14/03/14, das 19h às 20h30  

Sala Adoniran Barbosa


Cantos da leitura: vozes da resistência

Recital poético organizado por Patrícia Romiti com textos de autores que tematizam os “negros verdes anos” do período da ditadura militar no Brasil, como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Ferreira Gullar, Haroldo de Campos e Paulo Leminski.

Terça-feira, dia 18/03/14, das 20h30 às 22h 

Sala Adoniran Barbosa

Seminário sobre Clóvis Moura

Evento em homenagem ao poeta Clóvis Moura, dez anos após o seu falecimento.

Sábado, 22 de março, das 14h às 19h

Sala de Debates


Recital da Caixa Preta

Recital poético com a participação de Adriana Zapparoli, Mariela Mei, Edson Bueno de Camargo, Rubens Jardim, Marcelo Ariel, Chiu Yi Chih, Fabrício Clemente, Luiz Ariston, Célia Abila, Fabrício Slaviero, Celso Vegro, Maria Alice Vasconcelos, Karine Kelly, Maria Fátima, Dora Dimolitsas, Charles Gentil, Shirleyde Valença. Haverá lançamentos de revistas literárias e livros de poesia.

Terça-feira, 25 de março, das 19h30 às 22h

Sala Adoniran Barbosa


Poesia dos 4 Cantos: Noite Árabe

Poesia dos Quatro Cantos é uma atividade mensal dedicada à divulgação da poesia internacional, num formato que inclui a leitura com danças e músicas típicas de cada país, nos intervalos das leituras. Em março, será feita a apresentação de uma Noite Árabe com os poetas Paulo Daniel Farah, Khaled Mohassen, Yunes Chami e Claudio Daniel, que lerão poemas de autores árabes contemporâneos, com a participação dos músicos Claudio Kairouz, Rogério de Queiroz, William Bordokan, Semi el Khouri Bordokan e da dançarina Cristina Antoniadis Bordokan.

Quarta, 26 de março, das 20h30 às 22h

Sala Adoniran Barbosa


UMA CONVERSA COM EMIR SADER

O sociólogo Emir Sader fará um depoimento sobre o golpe de estado de 1964 e o significado das mudanças democráticas que aconteceram no país nas últimas décadas. Em seguida, responderá a perguntas do público, num bate-papo informal.

Sábado, 29 de março, das 15h às 17h

Sala Paulo Emílio Salles Gomes 

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

CADERNOS BESTIAIS (VI)


TEU VERDE
Todas as mulheres são tigres desenhados em teus olhos.
* * *
Há um vocabulário do verde,
inumeráveis ecos do teu verde
que se desdobram na noite estrelada:
olhos-pés, olhos-mãos, olhos-boca, olhos-peitos, olhos-nada.
Cada letra de teu nome tem a sua própria cabeleira,
denso alfabeto que incita à iniciação no segredo de teu segredo.
Tua sombra segue minha sombra em cada passo mínimo.

2014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

CADERNOS BESTIAIS (V)


CONTRA A ENTRANHA

Contra a entranha —
multiplica o medo
no borrão desfigurado;

unhas enegrecidas,
maxilares arrancados,
miuçalha de carcaças.

Nenhuma língua enterrada
na fossa onde caranguejos
copulam com capulhos;

mistério ou talvez corrosão
de ácidos na decapagem
para a despossessão de tudo.

Retrátil, contra teu sangue,
a exaustão do que esfiapa
o símile do pensamento.

Esta pele, tua pele, nenhuma pele:
tudo é número e o número
é legião; meu nome é legião.

(Poema escrito por ocasião dos 50 anos do golpe de 01 de abril de 1964.)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

POEMAS PARA A PALESTINA


Poemas para a Palestina, antologia que reúne textos de 21 poetas brasileiros de diferentes gerações e estilos que enfocam a história recente do povo palestino, desde a Nakba ("catástrofe" em árabe) de 1948, que levou 750 mil palestinos ao exílio, até o drama vivido hoje pelas populações de Gaza e Cisjordânia sob a ocupação sionista. Os poemas reunidos neste volume são ao mesmo tempo um registro histórico, um depoimento humano e uma manifestação de solidariedade pela palavra poética. Lançamento previsto para MARÇO, aguardem!

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

GENERAL MANDÍBULA ATACA GOTHAM CITY: A POESIA DE ADEMIR ASSUNÇÃO


 


A voz do ventríloquo (São Paulo: Edith, 2012, que recebeu o Prêmio Jabuti no ano passado), é o quarto volume de poemas de Ademir Assunção, que também publicou LSD nô (1994), Zona branca (2000) e  A musa chapada (2008, em parceria com Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e o artista visual Carlos Carah), além dos volumes de prosa experimental  A máquina peluda (1997), Cinemitologias (1998), Adorável criatura Frankenstein (2003) e dos CDs de música e poesia Rebelião na zona fantasma (2005) e Vira-latas de Córdoba (2013). Os títulos de seus livros já deixam explícito o diálogo do autor com o universo das histórias em quadrinhos, do cinema, da música pop, da contracultura, das mitologias pré-colombianas e do Oriente — diálogo já bem comentado na fortuna crítica do autor.

Estas referências são comuns a outros poetas de sua geração, como Maurício Arruda Mendonça, Marcos Losnak e Rodrigo Garcia Lopes, que compartilham ainda o interesse pela poesia e concepção de vida dos poetas beats norte-americanos, como Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti e Allen Ginsberg. A poesia de Ademir Assunção, no entanto, não se esgota em tais referências: sua temática é mais ampla, incluindo o retrato alegórico da cidade, com ênfase nos que estão situados à margem, como as prostitutas, traficantes, menores abandonados e moradores de rua, a reinvenção de mitos indígenas, gregos e bíblicos (Ulisses na tormenta, Na cova dos leões), a sensação de deslocamento e incomunicabilidade num mundo cada vez mais dominado pelo mercado e pela mídia, a loucura belicista, a busca do amor como a utopia possível, para citar alguns temas recorrentes.

Sua técnica literária pouco tem a ver com a prosódia beat: basta compararmos um poema de Allen Ginsberg, como o Uivo, com seu jorro discursivo que se aproxima da prosa, com O pântano, um dos mais belos poemas de A voz do ventríloquo: “Há uma serpente enrodilhada nas ramagens / do poema: / cauda verde-turquesa, escamas / mitológicas, cabeça / de névoa”. Este poema se aproxima da estética neobarroca, não apenas pela riqueza imagética e metafórica, mas sobretudo pela colagem de referências de diferentes repertórios culturais, como “um cemitério de aviões de caça da Segunda Guerra” e “uma rainha que trepa / com o próprio filho” (Jocasta?), “prostitutas chinesas” e “um monstro de folhagens / e couro cru de crocodilo”. Claro: a montagem ou justaposição de cenas é uma técnica narrativa do cinema, que está presente em quase toda a obra de Ademir Assunção, em especial nos livros Cinemitologias e Zona branca, mas também aqui, na Voz do ventríloquo, assim como o diálogo criativo com o jazz (Billie Holiday na porta dos fundos), a pintura (O grito) e a televisão (A vida em tecnicolor). Não se trata de mera exibição de citações cultas, fetichismo que muito afetou a poesia da década de 1990, mas de releituras que o poeta faz das coisas que fazem sentido para a sua sensibilidade e compreensão de si mesmo e do mundo, de seus medos, vivências e obsessões.

Podemos dizer que a poesia de Ademir Assunção tem um alto grau de sinceridade, mas que não é confessional, como boa parte da literatura beat – os poemas amorosos de Allen Ginsberg e os romances de Jack Kerouac, por exemplo, onde são nítidos os traços autobiográficos. A sinceridade na escrita, é bom ressaltar, não significa o registro imediato de sensações, o lirismo espontâneo, herdeiro da escrita automática dos surrealistas (a frase zen-budista “Primeira ideia, melhor ideia” era uma das favoritas de Ginsberg). Ademir Assunção visa justamente o contrário, desautomatizar a escrita e o pensamento, para tornar mais afiadas as palavras da tribo: “eu sou poeta e sigo em frente / em linhas tortas / eu não lido com palavras mortas”, diz ele no poema Orfeu nos quintos dos infernos.

A imaginação poética – melhor dizendo, a máquina de fabricar mitologias – de Ademir Assunção caminha de mãos dadas com a informalidade de Paulo Leminski, Roberto Piva e Torquato Neto, três de seus ícones culturais – por isso mesmo já chamei essa poesia, em outro artigo, valendo-me de um oxímoro, de “formalismo informal”, característica que acompanha o autor desde o seu primeiro título publicado, LSD Nô (1994), em que é mais evidente a influência da Poesia Concreta, na escolha da tipologia de letras, espacialização das palavras e linhas e outros recursos que realçam a visualidade. Notáveis são os haicais que Ademir Assunção – estudioso e praticante do zen-budismo – inclui no final desse livro, entre eles “a chuva / molha / uma lágrima” e “cachorro sem dono / chuva fria / de outono”.

A paródia é um dos recursos mais usados pelo poeta, seja a glosa satírica do discurso quinhentista, em Máquina peluda, seja a reapropriação crítica da linguagem e técnica narrativa das histórias em quadrinhos, em Zona branca e A voz do ventríloquo, onde aparecem personagens como o General Mandíbula, O Anjo do Ácido Elétrico e Mister P., inventados pelo autor, ao lado de Orfeu, Ulisses, Heráclito, Iemanjá, o Coringa e King Kong.  A própria Poesia, e o seu irmão Prosa, comparecem nas páginas do Diário do Ventríloquo, inserções de prosa narrativa com fundo preto e as letras em cor branca que aparecem em várias seções do livro, como se fosse uma narrativa paralela, um canto dialogado. A organização dos poemas e textos em prosa obedece a um princípio não-linear, mimetizando, no próprio corpo semântico, o caos e a fragmentação do mundo a nossa volta. O fio condutor do livro talvez esteja no próprio título do volume: é a voz invisível do ventríloquo, esse eu lírico que percorre as ruas de Gotham City “enquanto o Coringa injeta no braço esquálido / a última gota da ampola”.  Convém destacar o trabalho de Ademir Assunção com a oralidade, presente sobretudo em seus CDs, Rebelião na zona fantasma e Viralatas de Córdoba, em que os poemas não são cantados, nem recitados com intenção retórica, mas declamados com fina sensibilidade; o poeta explora a dimensão melódica e emotiva de cada palavra, com silêncios, ênfases e variações de timbre, dialogando com as intervenções sonoras da banda Fracasso da Raça, numa unidade estética entre palavra e música. 


(Artigo publicado na edição de fevereiro da revista CULT, na coluna Retrato do Artista.)