quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

A SANTA CEIA: É POSSÍVEL SER CRISTÃO E SOCIALISTA?










Claudio Daniel

Leonardo da Vinci pintou o afresco A santa ceia (ou A última ceia) entre 1495 e 1498, em Milão. A obra representa a última reunião de Jesus com os seus discípulos, antes de ser preso, julgado e crucificado, conforme relata o texto bíblico. Gostaria de propor uma paródia da famosa pintura do artista italiano, em que Jesus divide o pão e o vinho com outros convidados: Marx, Engels, Lênin, Stalin, Mao, Gramsci, Rosa Luxemburgo, Fidel Castro, Carlos Marighella, Ho Chi Minh. Claro: esse quadro, que reúne revolucionários de diferentes época e países, é alegórico, sendo a alegoria, conforme definição do retórico romano Quintiliano, do século III d.C., uma figura de linguagem em que o pensamento é construído por uma série de metáforas. Ou ainda: alegoria é a formulação de ideias abstratas por meio de imagens concretas. No caso do presente artigo, o quadro alegórico representa o tema que discutiremos a seguir: é possível conciliar espiritualidade e militância política, ou, mais precisamente, marxismo e religião? 

Sem dúvida, o tema é polêmico e pode suscitar inúmeras respostas, sendo a mais superficial a seguinte: não, não é possível a conciliação, porque o marxismo é ateu e inimigo da religião. Sem dúvida, a filosofia de Marx é materialista, ou seja, considera o universo, a natureza e a sociedade como resultados da interação de diferentes energias, fenômenos e agentes materiais, e não como criação mágica de uma entidade sobrenatural, como lemos no livro do Gênese; também considera que os fatos da vida social decorrem das relações de poder entre as classes sociais, e não da vontade divina. Nesse aspecto, há uma divergência radical entre o pensamento dialético marxista e a metafísica judaico-cristã. Porém, não é a especulação filosófica abstrata que afasta ou aproxima as duas doutrinas, e sim a atuação política e social das instituições religiosas.

As igrejas católica, anglicana, ortodoxa, luterana, para citar poucos exemplos, no âmbito do cristianismo, mantiveram, por séculos, estreitos vínculos com a aristocracia europeia, com o regime monárquico, com a propriedade feudal, e posteriormente com a moderna burguesia, o regime republicano democrático-burguês e a livre iniciativa da sociedade industrial. Por conta desses vínculos, que garantiram às igrejas inúmeros privilégios – desde a posse de terras até a isenção de impostos, a posse de emissoras de rádio e televisão e a participação acionária em grandes bancos privados –, o discurso religioso convencional busca convencer os mais pobres de que a sua situação material precária é fruto da vontade divina, e que uma possível mudança em sua qualidade de vida viria, também, dessa mesma vontade sobrenatural, representada na Terra por determinada instituição religiosa, com a sua hierarquia eclesiástica, livros canônicos, liturgias, sacramentos, dogmas, práticas devocionais e concepção de vida e de mundo. Caso o crente deseje obter sucesso material, deve fazer promessas aos santos, submeter-se a penitências, rezar muito ou simplesmente doar altos valores à igreja, em troca da intermediação que o padre ou bispo fará a seu favor junto à divindade. Por conta de tais práticas, Marx declarou que “a religião é o ópio do povo”, pois em sua época o que ele verificou foi a aliança entre os clérigos e os poderosos para iludir o povo, explorar a sua capacidade de trabalho e subtrair as suas posses, quando não para justificar a escravização de povos ameríndios ou africanos e as guerras para conquista de colônias, onde as metrópoles iriam explorar riquezas como ouro, prata, especiarias e pedras preciosas, sob o pretexto da missão evangelizadora  e civilizatória (nos tempos atuais, os Estados Unidos agridem outros países em nome da “liberdade” e da “democracia”, como fizeram na ex-Iugoslávia, Iraque, Líbia, Síria e Afeganistão).

Na Idade Média, a teologia cristã considerava que os reis tinham direito ao poder por um plano divino, sendo a monarquia a realização temporal do plano traçado pelo Altíssimo. Essa doutrina não esteve em vigor apenas no pensamento católico, mas também no anglicano – o soberano do trono inglês é também o sumo-pontífice, mesmo nos dias atuais – e ortodoxo – basta lembrarmos do caso da Rússia, onde a Igreja Ortodoxa esteve ao lado do czar Nicolau II até a sua queda, com a revolução de 1917, declarando-o santo após a sua morte.

Se fossemos fazer uma lista com exemplos contemporâneos da relação íntima entre as instituições religiosas e os privilégios das elites ela seria imensa, basta lembrarmos o apoio de igrejas cristãs aos golpes militares na América Latina, nas décadas de 1960-1970, o alinhamento de rabinos e pastores neopentecostais com o regime sionista de Israel, responsável pelo genocídio humano e cultural do povo palestino, a participação dos “bispos” (?) como Silas Malafaia e Marcos Feliciano nas marchas fascistas que resultaram na deposição da presidenta legítima do Brasil, Dilma Rousseff, ou a bênção do cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, à “ração” para pobres proposta pelo alcaide João Dória Jr. (P$DB), a partir de resíduos alimentares próximos à sua data de vencimento. Podemos recordar também o obscurantismo das seitas neopentecostais, como a Assembleia de Deus, Renascer em Cristo, Igreja Universal do Reino de Deus, entre muitas outras, que defendem o fechamento de museus, a censura artística, a “cura gay”, a proibição total do aborto (mesmo em casos de estupro ou de risco de vida para a gestante), a perseguição aos cultos afro-brasileiros, como a umbanda e o candomblé, a discriminação de mulheres, homoafetivos ou afrodescendentes, entre outros absurdos que ferem a democracia, a liberdade individual e o estado laico. No Congresso Nacional brasileiro, a Bancada Evangélica tem apoiado a aprovação dos projetos mais retrógrados, como as reformas previdenciária, trabalhista e a “flexibilização” do conceito de trabalho escravo, para dificultar as ações de fiscalização nas grandes propriedades rurais, onde ainda existe esse triste resquício do período colonial.

Todos esses fatos revelam o caráter profundamente conservador de inúmeras igrejas, tradicionais ou recém-inventadas, porém, isso não significa que TODOS os religiosos sejam reacionários: para que a nossa análise seja justa, precisamos recordar também a participação política de padres e freiras na resistência à ditadura militar no Brasil, na defesa da anistia e pela volta das eleições diretas, o quer só aconteceu em 1989,  e ainda  a criação das Comunidades Eclesiais de Base, inspiradas na Teologia da Libertação, na década de 1980, com o objetivo de organizar e conscientizar a população mais pobre para a luta em defesa de seus direitos. Religiosos como Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Pedro Casaldáliga, Frei Leonardo Boff e Frei Beto, para citarmos apenas quatro nomes bem conhecidos, destacaram-se nas lutas democráticas, e inúmeras lideranças eclesiásticas sofreram prisões e torturas nos “anos de chumbo” do regime militar. A Pastoral da Terra, ligada também à Igreja Católica, realiza até hoje importantes ações de solidariedade junto aos trabalhadores rurais, denuncia os assassinatos de lideranças camponesas por jagunços a mando do latifúndio e coleta dados importantes para a compreensão do problema agrário no Brasil. Lideranças católicas identificadas com as causas sociais estiveram ao lado dos metalúrgicos que realizaram grandes greves no ABC paulista, no final da década de 1970, e impulsionaram a criação do Partido dos Trabalhadores (PT) e, mais tarde, da Central Única dos Trabalhadores (CUT).  Após o golpe de estado de 2016 e o início da mais violenta ofensiva contra os direitos sociais já registrada no Brasil, setores progressistas das igrejas tradicionais – católicas, luteranas, metodistas, da umbanda e do candomblé, entre outras – tem estado presentes nas manifestações em defesa da volta da democracia e da manutenção dos direitos ameaçados pelo governo ilegítimo de Michel Temer. Isso sem falarmos dos pronunciamentos de autoridades como o Papa Francisco, que tem buscado recuperar a “opção preferencial pelos pobres”, deixada de lado por seus antecessores, João Paulo II e Bento XIII. Assim como há contradições na Igreja Católica entre setores progressistas e reacionários, o mesmo acontece em outras religiões, o que apenas evidencia a polarização entre pobres e ricos que caracteriza o sistema capitalista.

A resposta à pergunta que dá título ao presente artigo, portanto, é: sim, é possível alguém ser socialista e cristão, ou budista, ou espírita, ou muçulmano, ou adepto de qualquer outra denominação religiosa, desde que apoie a luta da classe trabalhadora em defesa de seus direitos. A questão aqui não é metafísica, mas ética e política. O próprio fundador do cristianismo, aliás – aquele que chicoteou mercadores no templo, desafiava autoridades romanas e rabínicas, distribuía pão e peixe para os pobres e impediu o apedrejamento de uma mulher acusada de adultério –, é autor da célebre frase: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no céu”.  Jesus Cristo, o palestino, tem a minha total admiração.

NOTA: o autor do presente artigo nasceu em família católica, foi ateu por quase toda a vida, depois frequentou templos hindus, de umbanda e de candomblé.  Hoje, considera-se zen-budista, e em nenhum momento essa escolha por um caminho espiritual entrou em conflito com a sua militância no Partido Comunista do Brasil (PCdoB). 

domingo, 12 de novembro de 2017

INVASÃO ZUMBI









Claudio Daniel
Criaturas de corpos deformados, olhos esbranquiçados e totalmente insanas, que se arrastam pelas ruas em bandos à procura de carne humana para se alimentarem, os zumbis foram popularizados pelas histórias em quadrinhos e pelo cinema norte-americano, em especial os filmes de George Romero, como A noite dos mortos-vivos e O despertar dos mortos. Conforme as convenções do gênero, o zumbi é um ser humano que, após o falecimento, é reanimado  por meios mágicos, mas, devido à lesão cerebral, locomove-se em estado catatônico, de maneira instintiva, sem discernimento do que faz, sendo por isso mesmo manipulável por um feiticeiro poderoso.  Os zumbis também podem surgir  como consequência da guerra biológica, contaminação de vírus ou experimentos científicos, conforme filmes como The walking dead. A crença em zumbis surgiu no Haiti, onde se pratica um culto religioso de origem africana conhecido como Sèvis Gine (“Serviço de Guiné”) ou simplesmente Vodu, similar em alguns aspectos à Santeria cubana, ao Hodu norte-americano e ao Candomblé brasileiro, mas com ênfase maior nas práticas de magia e necromancia, ou evocação dos mortos para a predição do futuro. No Brasil, a palavra zumbi tem sido utilizada com maior frequência para designar o típico militante da extrema-direita, que vota em Bolsonaro, defende a pena de morte, a “cura gay”, a censura, o fechamento de museus, a agressão a filósofos, o fim dos cursos de história e geografia nas escolas, o linchamento de moradores de rua e, claro, a intervenção militar. Assim como as criaturas deformadas dos filmes de Hollywood, nossos zumbis têm pouca inteligência e informação cultural, exibem gestos e expressões faciais caricaturais, caráter agressivo, quadro psicológico perturbado e agem em grupos, sob o comando não de um necromante, mas de uma emissora de televisão com capital acionário norte-americano.
Um exemplo típico de ataque zumbi no Brasil pós-golpe de estado aconteceu durante a palestra da filósofa norte-americana Judith Butler no Sesc Pompeia, em São Paulo, quando ativistas de extrema-direita do chamado “Movimento Brasil Livre” (MBL), financiados pelos bilionários Irmãos Koch, fizeram um ato de protesto, na tentativa de impedir o evento. Exibindo bíblias e um boneco da pensadora, conhecida por suas opiniões a respeito das questões de gênero, da liberdade de orientação sexual e por sua crítica ao sionismo, os nazis-zumbis gritavam “Queimem a bruxa!”, como nos antigos filmes de terror da Universal Pictures, com ecos do Tribunal do Santo Ofício. Apesar da provocação, que contou com a participação do grotesco Alexandre Frota, ex-ator de filmes pornográficos e atual ícone do fascismo tupiniquim, a palestra aconteceu conforme a programação. Ao embarcar no Aeroporto de Congonhas para voltar a sua casa, porém, Butler e sua companheira Wendy Brown foram agredidas pela manifestante Celene Carvalho, que gritava insultos à intelectual norte-americana, como “pedófila”, “nojenta”, “você não é bem-vinda ao Brasil”. A agressora, que apresenta evidentes sinais de transtornos psiquiátricos, ficou conhecida em outro episódio de agressão, dessa vez ao ex-deputado federal Eduardo Suplicy, do Partido dos Trabalhadores, quando este visitava a Livraria Cultura, também em São Paulo. Em ambas as ocorrências, Celene Carvalho, ex-candidata à prefeitura de São Lourenço (MG) pelo PSOL, não sofreu qualquer ação policial ou judicial, e suas ações permanecem impunes.

Este caso, que alcançou grande repercussão nas redes sociais, aconteceu na mesma semana em que se destacaram alguns outros fatos, que terão gravíssimas consequências sociais no país:  a entrada em vigor da reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo “presidente” ilegítimo Michel Temer (PMDB), que eleva as jornadas de trabalho, reduz salários e tempo de férias, entre outros ataques às conquistas históricas dos trabalhadores; e a aprovação no Congresso da PEC 181/15, que criminaliza a prática do aborto em casos de estupro, contrariando legislação anterior. Proposta pela “Bancada da Bíblia”, formada por pastores neoevangélicos da Igreja Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Assembleia de Deus e outras seitas fajutas milionárias, a PEC anula na prática a separação entre Igreja e Estado, que remonta ao Iluminismo do século XVIII, e criminaliza as mulheres que desejem interromper a gestação consequente de agressão sexual, o que no Brasil representa um problema social de proporções alarmantes: apenas em 2016, cerca de 500 mil mulheres foram vítimas de estupro, sendo 70% delas menores de idade, segundo dados divulgados pela revista Carta Capital. A aprovação da PEC significa imenso sofrimento para as mulheres, especialmente as mais pobres, que além da violência física e psicológica poderão ser processadas, presas, padecerem mutilação ou morte caso abortem ilegalmente em precárias clínicas clandestinas, uma vez que não poderão mais contar com os serviços públicos de saúde para a interrupção da gestação. A misoginia no Brasil agora é política de estado.

A influência neoevangélica na definição de políticas públicas, após o golpe de estado de 2016, é visível inclusive no Ministério da Cultura (MinC): o atual ministro ilegítimo da pasta, Sérgio Sá Leitão, propõe uma nova minuta à Lei Rouanet, vetando propostas que “vilipendiem a fé religiosa, promovam a sexualização precoce de crianças e adolescentes ou façam apologia a crimes ou atividades criminosas”. Conforme essa minuta, obras como “Hamlet”, de Shakespeare, ou “Crime e castigo”, de Dostoiévski, jamais receberiam financiamento do MinC. A cruzada contra as artes avança no Brasil de maneira assustadora, como não se via desde o golpe militar de 1964:  por pressão dos zumbis do “Movimento Brasil Livre”, o Santander Cultural de Porto Alegre retirou a mostra Queermuseu, por suposta apologia da “pedofilia”, o Museu de Arte Moderna de São Paulo   impõe restrição por faixa etária para uma exposição sobre sexualidade e cerca de 600 mil zumbis assinam abaixo-assinado exigindo o fechamento do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, por apresentar a performance de um artista que se apresentava nu. “Meu filho jamais pisará em um museu”, declarou mulher zumbi em entrevista transmitida à Rede Goebbels de Televisão. 

A loucura, porém, não para por aqui.  Nesta mesma fatídica semana, em que assistimos a violentos ataques contra os direitos das mulheres, dos trabalhadores e da liberdade de pensamento e de expressão, o colunista Mário Vítor Rodrigues, da revista golpista IstoÉ, escreve a seguinte insanidade: “Pelo bem do País, Lula deve morrer. Eis uma verdade incontestável. Digo, se Luiz Inácio ainda é encarado por boa parte da sociedade como o prócer a ser seguido, se continua sendo capaz de liderar pesquisas e inspirar militantes Brasil afora, então Lula precisa morrer” (https://istoe.com.br/lula-deve-morrer/). Temos aqui mais uma “pérola” que nos faz refletir sobre o caráter fascista da imprensa brasileira, que em vez de noticiar os fatos com isenção e promover o pluralismo e o debate de ideias, incentiva golpes de estado, defende processos judiciais grotescos, típicos de Franz Kafka, calunia, difama e persegue opositores políticos e agora também propõe, abertamente, o assassinato de Lula, sem sofrer qualquer tipo de sanção. De onde vem tanto ódio ao ex-presidente, que retirou 30 milhões de brasileiros da situação de miséria absoluta, tirou o Brasil do mapa da fome da ONU e ampliou direitos sociais e trabalhistas sem fazer uma revolução social violenta?  Sem dúvida, há fortes motivações envolvidas na aversão doentia a Lula promovida pela imprensa brasileira, em especial os interesses do grande capital internacional, que deseja se apropriar das áreas de pré-sal, dos minérios (como o nióbio), reservas florestais e outras riquezas naturais brasileiras, mas há também o componente irracional, que não pode ser minimizado: os seculares preconceitos da elite brasileira contra os pobres, nordestinos, negros, mulheres, homoafetivos, considerados seres “inferiores”, que devem ser humilhados e submetidos à “raça pura” dos senhores de engenho, homens brancos, ricos, cristãos e heterossexuais. Preconceitos que vêm desde as capitanias hereditárias e que nos dias atuais são reproduzidos diariamente pela imprensa golpista, fazendo circular o ódio que produz legiões insanas de zumbis prontos para matar.      

P.S. 1: em 2016, cerca de 61 mil brasileiros foram assassinados, cerca de 7 por hora, número que nos faz pensar que já vivemos numa guerra civil. Não uma guerra religiosa, social ou ideológica, mas uma guerra zumbi.

P.S. 2: há poucos dias, os jornais golpistas noticiaram o leilão de campos de pré-sal em benefício de companhias internacionais como a Shell, que arremataram por 6 bilhões reservas estimadas em mais de vinte trilhões de reais. 


terça-feira, 19 de setembro de 2017

HAIKUS DE PRIMAVERA





















1

sombra de árvore:
conto apenas a você
o que disse o vento



2

árvore inclinada
diz bom dia ao sol:
ele finge que não vê



3

lua na praça
vento de primavera
palavras de vento



4

vida é viagem
uma só folha
é toda a paisagem



5

pernas tatuadas
atravessam a rua
começa a primavera



6

barraca de feira
mulheres conversam
comendo mangas



7

mudança de casa:
brinquedos de gatos,
as caixas de papelão.



8

floresta vertical
pulsos e cotovelos
no vagão de metrô



9

banca de jornal
vende-se mentiras
a todos os preços



10

vendedor de pipocas
espia os peitos
da ciclista na praça



11

vento de primavera
meninos fumam
sentados na praça



12

na escadaria da praça
duas meninas
se beijam na boca




13

menina-pássaro
voa na rampa de skate
ao sol da manhã



14

lâmpadas coloridas
copos de cerveja
olhos de primavera



15


nuvem de primavera
cigarro de canela
na escadaria da praça



16

turbante vermelho
vestido amarelo
olhos de arco-íris




17

skatista, traveco,
ciclista, grafiteiro
na mira da polícia




18

polícia proíbe
a sopa dos pobres –
onde está a primavera?




19

pobres perdem tudo
menos a nudez
da lua de primavera



20

chuva de primavera
mendiga se agacha
e urina no chão



21

lua nova
menino de rua dorme
em jornais velhos



22

brincos-de-princesa:
um rato foge
para o pátio da igreja




23

primeiro dia do ano:
corpos sem nome
nas águas do rio




24

flor de finados
pétala branca, olho
branco, silêncio branco  



25

dia de finados          
o branco do olho
e do crisântemo     




 Haikus de Claudio Daniel, setembro / 2017

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

QUAIS FORAM OS CRIMES DE LULA?











1) nasceu em Guaranhuns, uma pequena cidade do interior de Pernambuco, no Nordeste, em uma família pobre;

2) migrou como "pau-de-arara" para trabalhar como operário nas indústrias do cinturão industrial do ABC paulista;

3) liderou, na década de 1970, uma grande greve metalúrgica no ABC, desafiando os patrões e a ditadura militar;

4) ganhou a consciência de classe necessária para liderar a criação do Partido dos Trabalhadores, para que a classe trabalhadora brasileira tivesse representação política e um projeto de poder;

5) foi um dos responsáveis pela criação do novo sindicalismo brasileiro, cujo maior representante hoje é a Central Única dos Trabalhadores, a CUT;

6) apoiou as lutas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terras (MST) para a realização da reforma agrária no Brasil;

7) elegeu-se presidente da República por duas vezes seguidas, e nas duas eleições seguintes apoiou a eleição de Dilma Rousseff, derrubada num golpe de estado jurídico-parlamentar-midiático em 2016;

8) nos 13 anos de governos petistas, 32 milhões de brasileiros saíram da situação de miséria absoluta, segundo a Fundação Getúlio Vargas, graças a programas sociais como o Bolsa-Família, que tirou o Brasil do Mapa da Fome da ONU;

9) Lula e Dilma criaram 18 universidades federais, 400 escolas e programas como o ProUni, o FIES e o Ciência Sem Fronteiras -- este último responsável por 100 mil bolsas de estudo para mestrado e doutorado no exterior;

10) Lula e Dilma construíram 1,5 milhão de casas populares, com o programa Minha Casa Minha Vida;
11) durante os governos petistas, os direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores brasileiros foram mantidos e o salário mínimo, reajustado acima da inflação;

12) Lula e Dilma apoiaram a criação ou fortalecimento de instituições de integração regional latino-americana, como o Mercosul, a Unasul e a Celac, afastando-se da política externa dos Estados Unidos;

13) o Brasil integrou os BRICs, ao lado da Rússia, China, Índia e África do Sul, contribuindo p\ara a criação de um mundo multipolar, pós-hegemonia norte-americana;

14) Lula e Dilma defenderam o nosso pré-sal, ambicionado pelas companhias petrolíferas norte-americanas;

15) Lula e Dilma condenaram as agressões imperialistas norte-americanas contra a Líbia e o Iraque e defenderam a criação do Estado da Palestina, desafiando a política sionista de Israel;

Lula sonhou com um Brasil próspero, soberano, justo e independente, com distribuição de renda e igualdade de oportunidades para todos. 

A burguesia brasileira, lambe-botas do imperialismo norte-americano, nunca o perdoará por isso, mas nós jamais deixaremos de saudar e defender o maior heroi que o povo brasileiro já teve em toda a sua triste e trágica história. .

sábado, 19 de agosto de 2017

TANKAS DE SALVADOR
















1

vento de inverno:
casa, gatos, livros
ficam para trás.

nuvens brancas
sobre campos verdes.


2

chuva na praia:
mirante, mulher
de brinco azul.

cão de inverno
corre na areia.


3

algas nas rochas
filetes de água
na trilha de areia

nossos pés olham
um para o outro

 4

azul das águas
investe nas rochas
negras da praia:

pegadas na lama,
chuva de inverno.

5

nuvem de inverno,
não conte à falésia
o que disse o vento!

só o sol suspeita
deste momento.


6

mamilos da mulher
amada: amigos
de meus lábios.

lua de inverno
sobre a colcha verde.


7

gato branco
come presunto
debaixo da mesa.

chuva na praia,
despedida de inverno.


Tankas de Claudio Daniel, 2017



TANKAS DE SÃO PAULO















1

mulher negra,
cabelos brancos,
chora pelo neto.

vento de inverno,
onde está a lua?


2

menino de rua
morto a socos
por um pastel.

lua de qualquer tempo
em meu país sombrio.


3

posto de gasolina:
cão sem dono
coçando as pulgas.

chuva de inverno,
tão frágil é o mundo.


4

noite de inverno:
policiais ateiam
fogo no barraco.

pobres perdem tudo
menos a lua cheia.


5

sol de inverno:
folhas amarelas
na grama verde.

garoto negro
queimado vivo.


6

parque paulista —
folhas, gravetos,
latas, garrafas.

menino de inverno
dorme entre detritos.


Tankas de Claudio Daniel

terça-feira, 1 de agosto de 2017

CARTA ABERTA A JEAN WYLLYS
















Caro deputado federal Jean Wyllys,

A situação da Venezuela é realmente dramática, mas, no texto publicado em sua página no Facebook, você se limita a apresentar a versão estereotipada dos fatos veiculada pela mídia golpista brasileira, que reproduz os press releases das agências de notícias norte-americanas.

Você não buscou fontes alternativas de informação e acredita ingenuamente numa mídia atrelada aos interesses do grande capital.

Uma mídia que esconde a realidade dos campos de concentração mantidos pelos Estados Unidos em Guantánamo e em outros lugares no mundo para prisioneiros detidos sem direito a defesa ou mesmo acusação formal, que esconde os crimes de Israel na Faixa de Gaza, dos neonazistas na Ucrânia, do governo neoliberal de Macri na Argentina, e que considera “ditadores” todos os líderes que não são submissos ao Império norte-americano.

Esta tem sido, aliás, uma prática rotineira de seu partido, o P$OL – basta recordarmos o entusiasmo com que Luciana Genro saudou o golpe de estado na Ucrânia, as declarações de Marcelo Freixo em sua visita à FIERJ no Rio de Janeiro ou as suas próprias declarações de louvor ao sionismo e aos crimes do estado terrorista de Israel.

Porém, vou me ater, aqui, apenas às suas recentes declarações no Facebook sobre a Venezuela, que causam escândalo a todos os que se identificam com a esquerda, pelo seu explícito alinhamento com a política externa norte-americana.

O texto diz:

“A ditadura de Nicolás Maduro, cada dia mais descontrolada e sem limites, reprime as manifestações com uma violência inusitada, cercea as liberdades públicas e avança sobre os outros poderes, eliminando os poucos resquícios de institucionalidade que ainda restam no país.”

Por que você considera “ditadura” um governo que foi eleito nas urnas, com a participação de candidatos de partidos oposicionistas, com a presença de observadores internacionais e que realiza constantes plebiscitos para consultar a opinião pública? Um governo que convocou uma Assembleia Nacional Constituinte para que o povo decida com liberdade e soberania quais serão os rumos para o seu país? Isso é “ditadura”?

Quanto à suposta “repressão” e “autoritarismo” do governo Maduro: como você acha que um governo legítimo e democrático deveria agir em relação a “manifestantes” que usam bazucas e armas de fogo em protestos violentos, que matam policiais e parlamentares governistas e usam helicópteros armados para atacarem prédios públicos? Você considera legítima essa forma de “manifestação”?

Mais adiante, você escreve:

“90% da população decidiu não votar. E a resposta do governo foi ‘maquiar’ os resultados depois de horas sem saber o que dizer, mentir ao mundo e ameaçar com um processo de cassação contra a procuradora e com enviar os deputados da oposição para a cadeia!!”

Qual é a sua fonte de informação sobre isso? As declarações de parlamentares oposicionistas da direita venezuelana, cuja credibilidade é a mesma de Ronaldo Caiado? Aliás, você não se envergonha de compartilhar as mesmas opiniões sobre política internacional de gente como Caiado, Bolsonaro, Aécio Neves e Aloysio Nunes Ferreira, que fazem do discurso contra o “bolivarianismo” e o “Foro de São Paulo” uma versão atualizada do velho e surrado discurso anticomunista?

A seguir, você diz:

A ‘Constituinte’ de Maduro é (...) um jogo de cartas marcadas. O objetivo era substituir o atual parlamento, com maioria da oposição, que venceu por ampla maioria as últimas eleições que Maduro permitiu, porque as seguintes foram suspensas. Foi por isso que a imensa maioria da população não foi votar ontem nessa farsa de eleição com partido único, apesar das ameaças do governo contra servidores públicos e beneficiários de programas sociais.”

Sei que o nobre deputado tem pouco conhecimento de história e teoria política, ou até mesmo da simples realidade imediata, agora, você afirma que a Venezuela tem “partido único”, mesmo que, no atual Congresso venezuelano, os partidos de oposição tenham maioria (fato inusitado numa suposta “ditadura”)! Onde está a coerência, caro deputado?

Convido você a ler o que Alfredo Serrano Mancilla, doutor em Economia pela Universidade Autônoma de Barcelona e diretor executivo do Celag (Centro Estratégico Latino-americano Geopolítico), escreve sobre as eleições venezuelanas:

“O povo venezuelano saiu a votar sem medo; 8.089.320 venezuelanos deram seu visto à Constituinte (41,53%), muito próximo ao recorde histórico (que Chávez teve em 2012). Muitos o fizeram porque são chavistas e estão dispostos a dar seu voto em qualquer circunstância. Aí estão, seguramente, mais de 5 milhões e meio que já o fizeram nas eleições parlamentares de 2015, apesar das dificuldades econômicas. Mas também votaram todos aqueles que tiveram algumas críticas ao chavismo, ou que tinham certo descontentamento, mas que agora estão absolutamente fartos da violência da minoria opositora que está impedindo a vida cotidiana. (...) Sem dúvidas, esta eleição demonstra algo que a oposição, nacional e internacional, não quer aceitar: o chavismo como identidade política segue muito presente no país.”


Por sua vez, o Conselho de Especialistas Eleitorais Latino-americanos (Ceela), integrado por ex-presidentes e magistrados de órgãos eleitorais do continente, destacou em um relatório a “robustez e fiabilidade do sistema eleitoral venezuelano”, bem como “a necessidade de se respeitar a vontade expressa pelo povo nas eleições para a Constituinte, realizadas neste domingo (30)”. O relatório, que será entregue ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, reitera a necessidade de se respeitar a vontade do povo num processo que registou alta participação, para eleger 537 dos 545 constituintes.

Você reconhece que “parte da oposição à ditadura em que se converteu o governo de Maduro é composta de uma elite egoísta e irresponsável que, com o objetivo de controlar a principal riqueza do país (o petróleo) e privatizar sua exploração comercial, sabotou economicamente a Venezuela, precipitando o país no abismo em que hoje se encontra”, mas não diz que essa oposição golpista, aliás majoritária – assim como acontece no Brasil – é apoiada e financiada pelos Estados Unidos, em sua estratégia de derrubada de todos os governos progressistas na América Latina, para reconvertê-la à triste situação neocolonial. A “outra oposição”, que você menciona em seu texto, é formada por uma suposta “esquerda” trotsquista, que, assim como o P$OL e o P$TU no Brasil, cumpre o triste papel de ser linha auxiliar da extrema-direita golpista e do imperialismo (ou você se esquece da participação de seu partido nas “jornadas de junho” de 2013, em que vocês marcharam nas ruas lado a lado com os fascistas que derrubaram Dilma em 2016?).

A grave situação de desabastecimento nos supermercados venezuelanos é causada pelos grandes empresários desse país, numa operação de sabotagem econômica com objetivos golpistas, assim como aconteceu no Chile, na época de Salvador Allende. Tenho conhecimento que você e o seu partido foram corresponsáveis pela deposição da presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, mas procure se informar sobre as sabotagens realizadas pelos grandes capitalistas em nosso próprio país, como a redução de investimentos para prejudicar a economia, elevar o desemprego e provocar o descontentamento popular. Mesmo um ex-Big Brother Brasil de pouca inteligência política poderá compreender isso, com algum esforço e estudo.

Para concluir, sugiro ao nobre deputado: caso queira saber o que significa realmente autoritarismo, terrorismo de estado e violência policial, faça uma visita à Faixa de Gaza, onde os sionistas israelenses mantêm dois milhões de palestinos num imenso campo de concentração a céu aberto. Ah, claro! Lembrei-me agora! O seu partido, o P$OL, recebe doações de empresas com capital acionário israelense, como a Taurus e a Gerdau (ambas indústrias armamentistas) para financiar suas campanhas políticas! Desculpe-me pelo esquecimento! Finalizarei a minha carta aqui, declarando que não nutro o menor respeito pela sua pessoa e por seu partido, e sim o mais veemente desprezo que se possa ter por traidores quintas-colunas, lambe-botas do imperialismo norte-americano.

Claudio Daniel, poeta e militante comunista