domingo, 10 de abril de 2016

RETRATO V












Entranhados no terror.
Estirados na terra.
Suas mãos terrosas.
Suas bocas aterradas.
Seus olhos, fundas covas.
Seus olhos, gritos óticos. 
Abatidos como feras
pelos furiosos.
Abatidos como párias
pelos paranoicos.
Porque nascem da terra.
Porque vivem da terra.
Porque se multiplicam,
tumultuários, e sua voz
é a voz vermelha da terra.

Claudio Daniel, 2016


Poema escrito em homenagem aos trabalhadores rurais sem terra assassinados em abril de 2016 no Acampamento Dom Tomás Balduíno, no Paraná.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

POEMAS DE LAÍS CORRÊA DE ARAÚJO

















OFERTA

Toma minha boca,
toma minhas mãos que voam carinhos
inexistentes e dançam nos ombros
de nossos filhos impossíveis;
toma meu corpo, meu corpo que
se entrega nas noites sem rumo,
meu corpo de chuva e tarde,
meu corpo de passarinho caído
no fundo da gaiola.

Toma-me, esmaga-me e despedaça-me,
como um deus pisando estrelas.
Que fique nos teus dedos apenas
um gosto solitário de poesia e o
perfume da juventude realizada.



LUZ

Só há mistério quando se deseja dissecar,
as coisas devem ser absorvidas,
estar em cada profundidade,
nada mais que debruçar-se,
basta debruçar-se como pálpebras.

assim, seus olhos não encontraram escuro.
Onde o mistério,
no vibrante da carne,
na alma oferecida como mãos?

Ah, não há peso nem convite nos rios,
passam como céus;
você sabe, em cada misteriosa árvore,
há apenas ninhos se agasalhando.



ATO DE CONTRIÇÃO

Não me arrependo de meus erros:
nada mais que sofrimento e vida.
Não me arrependo de meus beijos:
deixaram um pouco de mim
em muitas bocas.
Não me arrependo de meus pensamentos:
eram belos como mulheres nuas.
Perdoai, Senhor, se alguma vez
não fui eu mesma.


ERA UMA VEZ

Não posso beijá-lo pelo telefone,
seu quarto é um laboratório
de exames transcendentais.
Fumo apenas.

Poderia dizer coisas grandes
que você fez em mim.
Era uma vez uma menininha.
Mas chove hoje.


ADEUS

É assim que eu te digo adeus:
como uma menina que mora na beira
da estrada e abana a mão para o trem.

Apenas te vi.
E te digo adeus porque não
apanho rosas.



(Poemas extraídos de INVENTÁRIO 1951 / 2002. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004.)

segunda-feira, 4 de abril de 2016

BOLERO

     

















yo
no soy
un hombre
sin sombra
ni árbol, piedra
molusco
soy dios
niña y perro, ángel malo
jardín de trolls
playa desierta
soy palabra
y niervos y sangre y rostro
y manos
y una outra soledad
y mi lengua
negro cacto, sabre persa
dulce rosa
quelque voix
in long gones blues
quiere buscarte
diosa de nieve
tu blanco soplo de mármol
en ojos sin ojos
tu piel de cristal
paloma estrella y nardo
tu miedo del mar
noche serpientes invierno
tu silencio
tu reflejo
tu dolor
tu saliva
tu sexo
tu paso
sólo tu paso
de inmóvil
sombra
herida


Ciudad de La Habana, 1989


Poema de Claudio Daniel, publicado no livro Sutra (1992) 

sexta-feira, 1 de abril de 2016

PALO DE LA LUNA














existes tão fundo em mim
— Lobo Antunes

Ojos de mi mujer:
ojos que se multiplican
como olas y pájaros.

Manos de mi mujer:
manos interminables
en mis cabellos.

Senos de mi mujer:
senos incomprensibles
hacia el más allá de mí.

Bailaora de la luna,
danza en mi cuerpo
con su collar de peces.

Bailaora de la luna,
danza en mi cuerpo
con su cinturón de luces.

Mujer de la noche marina,
cuya boca es mi laberinto.

Mujer de la noche marina,
cuya piel es mi único jardín.

Sólo existe el palo
que nace de tus pies.

Sólo existe el blanco
de tus pies en mi boca.

Sólo existe la noche
de tu lengua en la mía.

Ojos de mi mujer:
ojos que se multiplican
en las manos, pies y senos.

Manos de mi mujer:
manos interminables
como la danza de la luna.

Senos de mi mujer:
senos incomprensibles
de mí sed infinita.

Poema de Claudio Daniel, 01 de abril de 2016.