quinta-feira, 7 de abril de 2016

POEMAS DE LAÍS CORRÊA DE ARAÚJO

















OFERTA

Toma minha boca,
toma minhas mãos que voam carinhos
inexistentes e dançam nos ombros
de nossos filhos impossíveis;
toma meu corpo, meu corpo que
se entrega nas noites sem rumo,
meu corpo de chuva e tarde,
meu corpo de passarinho caído
no fundo da gaiola.

Toma-me, esmaga-me e despedaça-me,
como um deus pisando estrelas.
Que fique nos teus dedos apenas
um gosto solitário de poesia e o
perfume da juventude realizada.



LUZ

Só há mistério quando se deseja dissecar,
as coisas devem ser absorvidas,
estar em cada profundidade,
nada mais que debruçar-se,
basta debruçar-se como pálpebras.

assim, seus olhos não encontraram escuro.
Onde o mistério,
no vibrante da carne,
na alma oferecida como mãos?

Ah, não há peso nem convite nos rios,
passam como céus;
você sabe, em cada misteriosa árvore,
há apenas ninhos se agasalhando.



ATO DE CONTRIÇÃO

Não me arrependo de meus erros:
nada mais que sofrimento e vida.
Não me arrependo de meus beijos:
deixaram um pouco de mim
em muitas bocas.
Não me arrependo de meus pensamentos:
eram belos como mulheres nuas.
Perdoai, Senhor, se alguma vez
não fui eu mesma.


ERA UMA VEZ

Não posso beijá-lo pelo telefone,
seu quarto é um laboratório
de exames transcendentais.
Fumo apenas.

Poderia dizer coisas grandes
que você fez em mim.
Era uma vez uma menininha.
Mas chove hoje.


ADEUS

É assim que eu te digo adeus:
como uma menina que mora na beira
da estrada e abana a mão para o trem.

Apenas te vi.
E te digo adeus porque não
apanho rosas.



(Poemas extraídos de INVENTÁRIO 1951 / 2002. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004.)

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