OFERTA
Toma minha boca,
toma minhas mãos que
voam carinhos
inexistentes e
dançam nos ombros
de nossos filhos
impossíveis;
toma meu corpo, meu
corpo que
se entrega nas
noites sem rumo,
meu corpo de chuva e
tarde,
meu corpo de
passarinho caído
no fundo da gaiola.
Toma-me, esmaga-me e
despedaça-me,
como um deus pisando
estrelas.
Que fique nos teus
dedos apenas
um gosto solitário
de poesia e o
perfume da juventude
realizada.
LUZ
Só há mistério
quando se deseja dissecar,
as coisas devem ser
absorvidas,
estar em cada
profundidade,
nada mais que
debruçar-se,
basta debruçar-se
como pálpebras.
assim, seus olhos
não encontraram escuro.
Onde o mistério,
no vibrante da
carne,
na alma oferecida
como mãos?
Ah, não há peso nem
convite nos rios,
passam como céus;
você sabe, em cada
misteriosa árvore,
há apenas ninhos se
agasalhando.
ATO DE CONTRIÇÃO
Não me arrependo de
meus erros:
nada mais que
sofrimento e vida.
Não me arrependo de
meus beijos:
deixaram um pouco de
mim
em muitas bocas.
Não me arrependo de
meus pensamentos:
eram belos como
mulheres nuas.
Perdoai, Senhor, se
alguma vez
não fui eu mesma.
ERA UMA VEZ
Não posso beijá-lo
pelo telefone,
seu quarto é um
laboratório
de exames
transcendentais.
Fumo apenas.
Poderia dizer coisas
grandes
que você fez em mim.
Era uma vez uma
menininha.
Mas chove hoje.
ADEUS
É assim que eu te
digo adeus:
como uma menina que
mora na beira
da estrada e abana a
mão para o trem.
Apenas te vi.
E te digo adeus
porque não
apanho rosas.
(Poemas extraídos de INVENTÁRIO
1951 / 2002. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004.)
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