sábado, 13 de março de 2010

CÃNONE E ANTICÂNONE (IV)

Todo cânone é instável. Nenhum é definitivo. Ezra Pound, em sua “ordenação do conhecimento de modo que o próximo homem (ou geração) possa achar, o mais rapidamente possível, a parte viva dele e gastar um mínimo de tempo com itens obsoletos”, acertou muito, incluindo em seu paideuma os poetas chineses, por exemplo (pouco estudados na época), os trovadores provençais, os metafísicos ingleses, entre outros poetas que julgava os mais inventivos da tradição literária. Porém, até Pound cometeu equívocos, deixando de lado autores como Góngora, Goethe, Baudelaire e Mallarmé, talvez por sua aversão à metáfora, à linguagem enigmática, e por sua defesa de uma poesia mais clara, precisa e objetiva. O crítico norte-americano Harold Bloom, em época mais recente, publicou um livro bastante comentado, O Cânone Ocidental, em que revela preferências conservadoras em matéria de poesia, incluindo o chileno Pablo Neruda, por exemplo, e deixando de lado o peruano César Vallejo, talvez o poeta mais criativo da língua espanhola no século XX.

Discutir cânones, talvez, seja perda de tempo (embora seja uma das atividades centrais da crítica literária). O que vale a pena abordar, a meu ver, não são as listas de nomes em si mesmas (que variam ao longo da história, conforme diferentes modelos teóricos e apreciações subjetivas), e sim os critérios de escolha, os princípios que norteiam a apreciação de um texto literário. Claro que, para encurtar a conversa, ficaremos apenas no caso brasileiro, e em especial com a poesia contemporânea, e mais exatamente aquela produzida nas duas últimas décadas. Eu confesso que não tenho a menor vontade de apresentar mais uma lista, pois já existem várias: nas antologias (como Na Virada do Século, Poesia de Invenção no Brasil, que organizei com Frederico Barbosa), em artigos de crítica, ensaios e trabalhos universitários. O que eu pretendo, a partir de agora, nesta série, é discutir autores que ficaram “de fora” da avaliação dos críticos, em contraposição aos autores “consagrados”, para refletir sobre os procedimentos adotados na valorização de uns e outros, pela análise estética comparativa de autores e obras. Uma crítica da crítica, para jogarmos a luz da incerteza sobre supostas certezas.

7 comentários:

  1. Acho a proposta sua muito interessante e importante. Mas ainda acho que os tais "consagrados" da poesia contemporânea precisam ter uma crítica mais interessada em descobrir suas estratégias de escritura, seus caminhos. E qd vc fala dos que "ficam de fora", vc está se referindo a que centro? A partir de qual núcleo vc irá falar? Eu ultimamente tenho relativizado essas relações entre centro e periferia, porque percebo que algo sempre está em relação a outro, sua posição sempre muda a partir do ponto de vista do observador. Mas isso tudo que eu penso não quer questionar os caminhos críticos que se tomam para pensar a poesia contemporânea. Apenas acho que se deve ter consciência crítica da escolha dos caminhos, sabendo de partida que as perspectivas podem ser alteradas. Mas isso é papo para outro café com pão de queijo e alguns cookies de chocolate! Bjs!

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  2. Susanna, o ponto é esse: tudo "muda a partir do ponto de vista do observador". O que eu quero fazer é uma análise comparada de autores que ganharam concursos literários, entraram em antologias, participaram de eventos no exterior etc. com autores "excluídos", que ficaram de fora do "cânone" mais recente (e claro que é muito, muito cedo para falarmos em cânone de autores tão novos!), para refletir sobre os critérios adotados pela crítica para a valorização de textos e autores. O que é um bom poema, hoje? Por qual motivo tal poeta entra numa antologia, e outro não? Por que esse ganhou um prêmio, e aquele não? Enfim, quais são os critérios, hoje, da crítica literária? Será que eles são eficientes para mostrar a riqueza de nossa produção, ou se fecham numa única vertente? O resto, conversaremos num café! Estou adorando teu artigo, gracias! Beso,

    CD

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  3. Cládio, sua tarefa será árdua, pois, pelo pouco que sei de literatura, há um número grande - e proporcional aos poetas medíocres - de bons poetas, uma geração que você, Micheliny Verunschk, Frederico Barbosa e outros "ás" (de verdade) inauguraram. É certo que as vertentes se dividiram e angariam, agora, seus adeptos. Sinto que a composição de um estilo de época está brotando. Muito suor e lágrima devem ainda ser comungados. E concondo inteiramente com vc, pois é necessário criar - mais que uma forma de ver poesia - uma forma de pensar poesia. Esquero que você não se importe de eu me apropriar dessa sua fórmula para alargar meu próprio veio poético. Abraços!

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  4. Wilson, é verdade, não será tarefa fácil... e por isso mesmo é estimulante! Não se trata de defender a tendência X e negar a tendência Y, pois, como pretendo indicar, dentro de cada tendência pode haver ótimos poetas, e outros péssimos... e a análise comparativa de resultados estéticos é para mim o método mais apropriado para se questionar as escolhas da crítica tendenciosa (não só da coluna Rodapé da Folha de S. Paulo, mas também da CULT e de outras colunas e veículos). Pode se apropriar daquilo que achar mais útil a tua escrita. E claro, o objetivo maior é esse mesmo, o de PENSARMOS a a poesia (não por acaso, publiquei há algum tempo, primeiro na Coyote e depois na Zunái, o ensaio "Pensando a poesia brasileira em cinco atos", confira na página http://www.revistazunai.com/materias_especiais/claudio_daniel_pensando_a_poesia.htm

    Há braços,

    CD

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  5. Livros de poesia não resenhados na coluna Rodapé, da Folha de S. Paulo:

    Pincel de Kyoto, de Wilson Bueno

    Cocatriz e A Flor da Abissínia, de Adriana Zapparoli

    Visita, Distância e Trânsitos, de Virna Teixeira

    Grafias e Papeis de Parede, de André Dick

    Imp., de Thiago Ponce de Moraes

    Mergulho às Avessas, de Andréa Catrópa

    Poemas Diversos, de Elson Fróes

    No Entanto d’Água, de Leonardo Gandolfi

    Espaçaria e Caderno do Estudante de Luz, de Eduardo Jorge

    Fronteiras da Pele, de Ana Maria Ramiro

    Práticas do Azul, de Jorge Lúcio de Campos

    O Livro dos Ventos, de Jacineide Travassos

    Cagar-Regras, de Rodrigo de Souza Leão.

    Som, de Lígia Dabul

    A Musa Chapada, de Ademir Assunção e Vicente Pietroforte.


    Apenas alguns títulos, entre muitos outros, infinitamente mais interessantes do que os de Angélica Freitas e Ricardo Domeneck.

    O livro Périplos, de Simone Homem de Mello, foi resenhado na coluna da Folha, mas o crítico não entendeu o que leu.

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  6. Ainda sobre o concurso da Petrobrás: foram selecionados 12 romances e novelas, e apenas 5 livros de poesia; desses últimos, 3 serão publicados pela 7 Letras, editora carioca ligada ao grupo da revista Inimigo Rumor. Coincidência?

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  7. Anônimo14.3.10

    Caro Claudio Daniel: o pior de tudo, como você disse num comentário a outro post, é que somos nós que pagamos o pato e a jujuba, já que o prêmio é dado com dinheiro público... que falta de vergonha... um abraço,

    Joana

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