quarta-feira, 31 de março de 2010

O HÁBITO ESCARLATE

TABACARIA DE HIGÉIA

trago a peste para dentro do corpo
a um só gole do vinho encefálico

traga o meu olho queimado
(queimado da peste que trago)
corredor de olhos amputados

trago-te
fumaça anestesiada de dias,
teu corpo de véus em luz mortiça
nas medulas de cortiça
dos alvéolos tragados

cordões umbilicais ressecados
na lua da boca das crianças
tragando o leite ausente, falho

tudo isto caminho e trago
para dentro do olho calvo
o metálico sangue no altar de plástico
abraça a mão de morfina do sol
injetando ouro inventado
sobre a ciranda de chagas

corro com a víscera tragada
de palhas, agulhas, mortalhas
máscara de nervo sádico,
trago-te
transplantado ícone de barro

um omulu esquartejado
no peito aberto
rasgo

pudera tragar o queimado
destes minúsculos moldes enjaulados

centauro envenenado
incendiaria de fantasmas
meus dois olhos extraviados
de vez

mas há balsâmico e visionário miasma
no aroma medicinal destes tragados ventres

de tudo do pouco tragam
do circo de horror doente
um parto de esperança, na esfumaçada tez
e me tragam, o olho sadio, antes de escurecer


TAXIDERMIA

com olhos de ocelot
pinça o gato escarlate
pela digital

sonha
plenilúnio

a espinha do felino
no éter da palma
exposta

no ossário enluarado
três miados rajam
a sala cirúrgica de memórias

(Poemas de Andréia Carvalho. Leiam mais no blog http://habitoescarlate.blogspot.com/)

Nenhum comentário:

Postar um comentário