PAREDRA
Vênus pagã, olhos de sete-estrelo,
A cabeleira rútila fulgindo...
Amei-te!... amor, nos olhos teus fulgindo,
Volúpia; luz do sol de teu cabelo.
A luxúria findou. Astro maldito,
Rolei do azul aos pélagos hiantes...
Procurava a minha alma... além, distantes,
Lótus colhi nos edens do Infinito.
Morreste. Ao val da Sombra, compungido,
Boa que foras para meus delírios,
Levei teu nobre coração partido.
Só então, osculando o altar de pedra,
À luz morrente de funéreos círios,
Tua alma ouvi... - a minha Irmã, Paredra.
ATLÂNTIDA
(poema épico, fragmentos)
Do Prelúdio:
Íon, no Espaço
Poeira komica na amplidão,
-Terra!-
Num círculo de aço,
Na órbita que o Destino retraçou;
Terra de servidão!...
Terra de expiação!...
Terra de redempção!...
Dominínio de Mayá, - a encantadora,
Que vida e morte encerra,
De philtros cheia a ânfora sonora;
-TERRA!-
Um mundo para o Homem,
Cujo corpo o teu limo formou;
Um nada do Infinito;
Penumbra das almas, cuja essência
A Essência Eterna irradiou;
Caçoula em que Formas se consomem,
Quando a alma revoa,
Livre à Carne, ao Desejo, que agrilhoa!...
-Terra!
Do Canto II: O Reino de Paititi
(...)
— Tu conheces, Aztlan, a Ciência dos Magos,
Sabes a LEI, o termo a que a Razão atinge,
Os arcanos da ESTRELLA, a visão dos oragos,
A voz do Teocallis, o sigilo da Esfinge;
Sabes que o coração é o casulo da vida,
Onde murmura a alma a perene lembrança
Do passado, do além, da forma esvanecida,
De uns olhos de mulher, de um riso de criança;
Tu sabes que a MATÉRIA é maga e feiticeira,
Faz e desfaz; - é Água, é Ar, é Fogo, é Terra;
É onda que marulha, estrela condoreira,
É favônio que ameiga, é tormenta que aterra.
Eterno - o TEMPO. Os Kalpas se sucedem...
Os astros se compõem e decompõem;
Da Terra, os continentes que antecedem,
Continentes futuros pressupõem...
Algo os Antis possuem dos Lemúrios;
Mas, todo o seu saber dos Atlantes vem;
Seus costumes, ciência, aras e augúrios
Da Atlântida longínqua sobrevem.
Do Canto IV: No limiar dos Mistérios
(...)
— Mestre, inquire o Piaga, —
Se eu quisesse aprender da Atlântida a Ciência,
Onde a iria encontrar?
Poseidonis ruiu... A sombra vaga
Na memória dos homens... A demência
Do Mar afogou-a no mar!...
Nenhum vestígio!... Templos e muralhas,
Os papiros sagrados, - Runá disse, -
Perderam-se também;
Velam a terra líquida mortalhas;
Chocam-se as ondas, como quem carpisse...
E a voz dos Ecos: -Nada mais!... Ninguém...
Nos olhos do Piaga o olhar do Mago
Lento cruzou, fixou-se... Perscrutava
O pensamento íntimo que o afago
Das palavras do jovem revelava.
Intenso e terno o olhar de Aztlan,
Nostálgico e profundo,
Tons da saudade e piedade vã,
Nos ocasos de um mundo.
Nos esmaltes do olhar, de estranho magnetismo,
A renúncia da vida, o êxtase divino,
A força de atrair dos abismos do Abysmo
A vítima do Amor, o exausto Peregrino.
A renúncia da vida!...
A morte do Desejo!...
O almejo
Da grande Solitude!...
O almejo do Silêncio, o almejo imenso
De subir para DEUS numa espiral de incenso,
De encontrar no INFINITO a vereda perdida,
De imergir no NIRVANA em toda plenitude!
DEUS!
A ESSÊNCIA ETERNA, a Eviterna Substância,
UMA e infinita;
O sorriso da Infância,
O ósculo da LUZ, a asa, o adeus...
A alma que volve aos céus e nos astros palpita.
DEUS: A Causa sem Causa, o mistério da ESFINGE...
Do Canto V: Céltida Druidica
(...)
Sacrifícios humanos! Sangue a rodo,
Sangue que as Larvas bibulas absorvem,
Do alto monte de Morven
Baixando,
Tumultuando,
Negrejando
O horizonte...
Lodo!
Sacrifícios humanos!... Rubra fonte
De sortilégios e de malefícios!...
Do alto monte
Que Ossian celebrou,
A luz das madrugadas
Foge... Edifício de ossadas
Que a Morte acumulou,
Monte de sacrifícios
Onde a lâmpada antiga se esgotou.
Do Canto VI: Athene
(...)
ATHENAS!
Um prelúdio de sol na ânfora da noite...
Um prelúdio de sol!...
Prelúdio!... - Dilúculo nascente,
Áureo-purpúreo arrebol
De uma aurora que surge a aclarar o OCIDENTE!...
Ouro-carmíneo, ouro-lilás, ouro de opala,
Ouro de asas de falenas,
Íons de luz, de aroma...
Íons que exala
A Flor de Lótus da alvorada
No constelado manto de Urânia.
sábado, 27 de março de 2010
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Dario Vellozo (Rio de Janeiro, 1869 - Curitiba,1937). Em 1909, fundou o Instituto Neo-Pitagórico, baseado em sua filosofia helênica que buscava revivências da festa da primavera. Editava seus próprios livros e os anais do Instituto. Discípulo de doutrinas ocultistas, lia e divulgava as obras de Swedenborg, Saint-Martin, Papus, Stanislas de Guaita, Fabre d’Olivet, além do satanismo de Huysmans, a poesia simbolista em geral e Dante Alighieri. Tinha em alta conta a poesia de Verlaine, Mallarmé, Baudelaire, Eugênio de Castro e Cruz e Sousa. Fundou a revista O Cenáculo (1895-1897) e participou de várias outras: Revista Azul, Esfinge, Ramo de Acácia, Pitágoras, Brasil Cívico. Obras: Poesia: Efêmeros (1890); Esquifes (1986); Alma Penitente (1897); Hélicon (1908); Rudel (1912); Cinerário (1929); Atlântida (1938).
ResponderExcluirE apesar da beleza desses versos, um Massaud Moisés, em sua "História da Literatura Brasileira", defendeu que Dario Vellozo não era poeta, mas um esotérico que escolheu erradamente a poesia (simbolista) para propagar as suas crenças, apesar de alguns acertos... Menor que Cruz e Sousa, Alphonsus, Emiliano Perneta, Eduardo Guimaraens, sem dúvida. Mas "não poeta"? Que indescritível desserviço à memória da poesia simbolista e, sobretudo, à de Dario...
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