ENSAIO DE CIÚME
Como vai indo com a outra?
Tão fácil, não? – basta um impulso
no remo – com a orla, a minha
imagem se borra, se afasta,
vira ilha flutuante (no céu,
- na água, não!).
Alma e alma,
irmãs, sim – mas, amantes, não!
Uma é destino; outra – sem fim!
Que tal viver com tal pessoa
comum – vida sem divindades?
Jogou do trono-olimpo a deusa-
rainha, abdicou – e a coroa
de sua vida, como fica?
Ao despertar, como pagar
o preço de imortal banal-
idade – como? Menos rica?
“Chega de susto e suspeita!
Quero um lar!”. Mas... e a vida
só – com uma mulher qualquer –
Você – eleito de uma eleita?
Ah... e a comida? Apetitosa?
Você se queixa quando enjoa?
depois do topo do Sinai,
ir conviver com uma à-toa
da parte baixa da cidade,
uma coitada? Gostou da anca?
O açoite-vergonha de Zeus
ainda não vincou-lhe a estampa?
Entre viver e ser, dá para
contar? E como encara
o caro amigo a cicatriz
da consciência-meretriz?
Viver com boneca de gesso
– de feira!? Você me acha cara?
depois de um busto de Carrara,
um susto de papier-mâché?
(O deus que eu escavei de um bloco
só me deixou os ocos). Enleva
viver com uma igual a mil,
quem já teve a Lilit primeva?
Não lhe matou a fome a boa
bisca, que atendeu aos pedidos?
Como viver com a simplória
que só possui cinco sentidos?
Enfim, por fim...: você é feliz,
no sem-fundo dessa mulher?
Pior, melhor, igual a mim,
nos braços de um outro qualquer?
Tradução: Décio Pignatari
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
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