segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

DOS DIÁRIOS DE VIAGEM DE BASHÔ (III)

Numa clara noite outonal de lua cheia, passando pela praia de Suma, um poeta de Kyoto escreveu:

sombra dos pinheiros
lua da décima quinta noite
poeta Chunagon

A imagem deste poema não me saiu da cabeça, até que neste outono tomei novamente a estrada, possuído pelo desejo de ver a lua cheia nascendo sobre as montanhas do santuário de Kashima. Acompanhavam-me nesta jornada um jovem e um monge errante. Este, como um corvo, trajava uma veste negra e portava nas costas um pequeno relicário com a imagem de Buda recém-iluminado. Caminhava a nossa frente empunhando firmemente seu cajado, como se tivesse acesso ao mundo através do Portal sem Portas. Eu também, embora não fosse monge ou leigo, estava de negro, vagueando como um morcego que se passava ora por pássaro, ora por rato. Tomamos o barco perto de casa e navegamos até Gyotaku, onde retomamos nosso percurso.

Cobrimos nossas cabeças com chapéus feitos de folhas de cipreste, gentilmente oferecidos por um amigo da província de Kai, e rumamos para o vilarejo de Yawata, onde encontramos a imensa pradaria de Kamagai-no-hara. Conta-se que na China existe um campo tão extenso que os olhos num só relance avistam mais de mil milhas. Aqui nest lugar, a pradaria avança de forma contínua até o horizonte, onde encontra os imponentes picos do monte Tsukuba.

(Do diário de viagem de Matsuo Bashô intitulado Visita ao santuário de Kashima, in: Trilha estreita ao confim. Trad.: Alberto Marsicano. São Paulo: Iluminuras, 1997.)

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