terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

CONVERSANDO SOBRE POESIA (II)

Por Nicole Cristófalo

Em seu primeiro livro, de 1922, Girondo se utiliza de diversos elementos da poesia de vanguarda enquanto imprime seu caráter cosmopolita em seus textos, acompanhados por suas gravuras. O cubismo, o surrealismo e expressionismo (em menor medida), a velocidade do futurismo, além da dessacralização do corpo, da caricatura e a não utilização das regras miméticas são algumas das características presentes no livro. O tom cosmopolita se percebe já no título do livro, Veinte poemas para ser leídos en el tranvia, sugerindo que o leitor esteja num bonde durante a leitura, como o fez o escrito Ramón Gómez de la Serna: “Entre los Veinte poemas para ser leídos en el tranvia se intercalaban los toques del timbre tranviario y las ilustraciones de um humor primievo y ruborizadode colores desnatados que les ha puesto el autor. Ya no veían los viajeros el título del libro, de tan gran propiedad y tan gran etiqueta tranviaria (...)”. A paisagem urbana é o cenário onde os objetos e as pessoas irão se encontrar e se relacionar, ocorrendo a coisificação dos primeiros, e a antropomorfização dos segundos:

Otro Nocturno

La luna, como la esfera luminosa del reloj de um edificio
público.
¡faroles enfermos de ictericia! ¡Faroles con gorras de “apa-
che”, que fuman un cigarrillo en las esquinas!
Por qué, a veces, sentiremos una tristeza parecida a la de
un par de medias tirado en un rincón?

Os faróis adoecem e fumam, enquanto nos entristecemos como um par de meias quando jogado num canto. Os objetos incorporam atributos humanos, enquanto as características das pessoas são aproximadas dos objetos. Importante mencionar que, para Jorge Schwartz, “o olhar urbano de Girondo se multiplica na visão simultaneísta de um diário de viagem cosmopolita. Veinte poemas é uma exaltação à cidade moderna, uma representação das tumultuadas Villes tentaculaires, onde o indivíduo reificado se funde e se confunde com o espaço que habita. O novo em Veinte poemas encontra no tempo presente da descrição o chronos ideal da exaltação da cidade”. Outra características que percebemos em Veinte poemas é a utilização do cubismo, e não apenas na descrição das imagens dos seus textos, mas como na própria estrutura do livro, fazendo com que não haja uma ordem cronológica, além do espaço geográfico que se desmonta em diversas cidades, indo e vindo de um lugar a outro, seguindo uma linha descontínua, desenvolvendo-se dentro de uma “estrutura simultaneísta”.

Croquis en la arena

La mañana se pasea em la playa empolvada de sol.
Brazos.
Piernas amputadas.
Cuerpos que se reintegran.
Cabezas flotantes de caucho.

Al tornearles los cuerpos a las bañistas, las olas alargan sus
virutas sobre el aserrín de la playa.

Neste trecho é suprida a perspectiva na descrição das imagens, além da descontinuidade do espaço-tempo. Mas, é importante mencionar que “casi todos los poemas que podrían llamarse “cubistas”, solo quedan en la intención, sin que hayam logrado cumplir la estricta estructura plástico-linguística que requiere el cubismo”. O autor desmonta a linearidade da imagem, porém sua intenção não é a de seguir completamente a estética cubista, e sim escolher os elementos que mais o convém, já mencionados.

Biarritz

Hay efebos barbilampiños que usan una bragueta en el tra-
sero. Hombres com baberos de porcelana. Un señor con un
cullo que terminará por estrangularlo. Unas tetas que salta
-rán de un momento a otro de un escote, y lo arrollarán todo,
como dos enormes bolas de billar.

Cuando la puerta se entreabre, entra un pedazo de “fox-trot”

Neste trecho, percebemos que o autor não exerce uma relação subjetiva com o que descreve, não há uma apropriação dos objetos que menciona ou uma necessidade de interação. Esta posição também chega com a vanguarda que já não escreve através de uma visão subjetiva, romântica. O ambiente do cassino e o foxtrot refletem o tom cosmopolita do poema. Girondo, descrevendo a figura dos seios saltando do decote, comparados a “enormes bolas de bilhar”, ao mesmo tempo em que dessacraliza o corpo, se utiliza da caricatura como em outros poemas, às vezes chegando ao grotesco. Na ilustração feita pelo próprio autor, os mamilos se confundem com duas pequenas fichas de jogo que estão em cima da mesa, criando uma “associação reificada do sexo com o objeto urbano”. Desta forma, mencionamos algumas das características das poéticas de vanguarda em Veinte Poemas, além de seu aspecto cosmopolita, e por que ser fundamental sua leitura para entendermos o que ocorreu na literatura argentina a partir daquela década.

(Leiam o texto integral no blog Dado Acaso, de André Dick e Nicole Cristófalo, na página http://dadoacaso.blogspot.com/)

Um comentário:

  1. O blog ''Dadoacaso é bom''. Entrei lá e li sobre Mallarmé.

    ''UN COUP DE DÉS JAMAIS N’ABOLIRA LE HASARD/ Excepté peut-être pour une Constellation''


    ( eu compreendi este livro por imagens - a fanopeia. Não conseguia pensar nada. Esse poema é um obra grandiosa, misteriosa e, inclusive, sem mistério.)

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