quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

DOS DIÁRIOS DE VIAGEM DE BASHÔ (I)

O vento de outono inspirou em meu coração o profundo ensejo de contemplar a lua cheia nascendo sobre o alvo cimo do monte Obasute. Esta escarpada montanha na província de Sarashina era o local onde, em tempos remotos, os habitantes das aldeias abandonavam os muito idosos em meio às rochas. Meu discípulo Etsujin resolveu com muita alegria me acompanhar, como também um aldeão enviado por meu amigo, que nos ajudaria a transpor as difíceis passagens. A estrada de Kiso, que nos conduziu a este local, era escarpada e perigosa, serpenteando pelas íngremes encostas e altos penhascos. Como nenhum de nós era suficientemente experiente para esta difícil travessia, sentimos a necessidade de ajuda mútua, pois qualquer descuido naquelas alturas poderia ser fatal. Este sentimento nos transmitiu a coragem necessária para enfrentar esta magnífica jornada.

A certo ponto do caminho, encontramos um velho monge zen, carregando um pesado fardo, ofegante, com um olhar profundo e penetrante. Meus companheiros simpatizaram logo com ele e colocamos o fardo sobre um dos cavalos. No alto, centenas de alvos cumes erguiam-se às alturas no desfiladeiro, e, à nossa esquerda, um vertiginoso precipício se arrojava sobre os turbilhões abissais da correnteza de um riacho. O cavalo ia tangenciando a encosta e eu não conseguia parar de pensar que um pequeno descuido nos faria despencar.


(Do diário de viagem de Matsuo Bashô intitulado Viagem a Sarashina, in: Trilha estreita ao confim. Trad.: Alberto Marsicano. São Paulo: Iluminuras, 1997.)

Um comentário:

  1. '...um pequeno descuido nos faria despencar.'


    Se ficassem deprimidos...Despencavam,

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