domingo, 18 de outubro de 2009

TRÊS POEMAS DE SÉRGIO MEDEIROS

ESPUMA...

O escritor Henri Michaux disse que pôs sobre a sua mesa uma maçã. Então ele entrou na maçã.

Quelle tranquillité!

Invadiu a maçã com o seu corpanzil ou foi a maçã que o “devorou”?

Areia movediça? Espuma ou esponja onde se afunda e flutua? Onde se fica também cristalizado?

É paz. Ou horror. O próprio Michaux inicialmente ficou congelado dentro da maçã: Quand j’arrivai dans la pomme, j’étais glacé. Em inglês isso seria: When I arrived inside the apple, I was frozen.

(Como será essa experiência em outras circunstâncias? Numa feira livre entra-se numa maçã que alguém amável ou odioso comprará. Ou que muitas mãos anônimas tocarão nesse mesmo dia. A maçã toma sol e se revela terrivelmente efervescente.)

James Joyce menciona o suave aroma que escapava de uma escrivaninha aberta: o cheiro de uma maçã muito madura ali esquecida. Ou de um vidro de goma arábica. Ou de lápis de cedro novos.


DÉCOR

— as folhas mortas e submersas se aproximam mais do ralo do que as bolhas que se aglomeram na água da chuva.


UM CASAL...

O casal ia de bicicleta. Ou voltava a pé para casa. Caminhando ao lado de imensos formigueiros. Como túmulos que a vista não abarcava. Num dado momento eles se sentam lado a lado num tronco caído na beira da estrada. A moça é índia ou japonesa e o rapaz espanhol.

A garota explica que ele é feio.

Ele mal consegue balbuciar alguma coisa. Examina a máquina fotográfica.

O tronco é um ninho de formigas e a garota salta gritando.

O rapaz se levanta calmamente e passa a mão no traseiro e depois nas pernas.

A garota se despe atrás de um arbusto.


(Do livro Sexo Vegetal. São Paulo: Iluminuras, 2009.)

2 comentários:

  1. Caros, Sexo Vegetal, livro mais recente de Sérgio Medeiros, ilustrado por Fernando Lindote e com apresentação de Myriam Ávila, está dividido em duas partes: O Sexo Vegetal, série de poemas em prosa, Epílogo: Kapoor. Os poemas deste livro dialogam, de maneira livre e criativa, com as cosmogonias ameríndias, em que o erotismo é a base de toda a criação. Este é o "programa" do livro, digamos assim, mas a poesia de Sérgio Medeiros surpreende justamente por ir muito além do objetivo a que se propôs: não se trata apenas de uma glosa do Popol Vuh quíchua (traduzido pelo autor, aliás, um belo e importante livro publicado pela Iluminuras), nem de poesia erótica, simplesmente, mas de uma série de pequenas narrativas quase cinematográficas, que rompem com os princípios da linearidade e da verossimilhança, construindo outras possibilidades de comunicação poética, em que vanguarda e tradição ancestral se confundem num único totem. É um livro que me agradou muitíssimo, e recomendo a vocês.

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  2. Oi, Claudio, finalmente consegui lê-los. É diferente de tudo o que já tinha lido... Também me surpreendeu. O zoon na maçã é bem peculiar, gostei especialmente desse. Obrigada por ter postado!!!

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