quarta-feira, 21 de outubro de 2009

QUATRO POEMAS DE JORGE MELÍCIAS

Trabalho a crueldade
pelo lado da exuberância.

Como instigando a carne
à vernação das goivas.

* * *

A chacina é uma indução
à espera do seu tempo.

Sobre esse propósito
estabeleço-me unívoco.

E onde cães e homens
disputam a carniça
à lisura dos ossos

inscrevo a consolação.

* * *

Adestramos na carne
os estrepes do horror.

E pela elocução do medo
inferimos da consolação:

só o ferro
remirá em si a ferida.

* * *

Vi o relâmpago disposto pelas traves
como uma plaina ao desvario sobre as córneas.

Os ganchos com a sua incisiva
mecânica de clarões.

Vi o cutelo. E a percussão

era uma cegueira decantada.

(Do livro Disrupção. Maia: Cosmorama, 2008)

4 comentários:

  1. Disrupção, do poeta português Jorge Melícias, é uma reunião dos sete livros de poesia publicados pelo autor, desde Iniciação ao Remorso (1998) até Agma (2008). A lírica de navalhas desse poeta singular é substantiva, elíptica, fragmentária, com uma secura e precisão que colocam o autor na tradição de Carlos de Oliveira e João Cabral de Melo Neto (embora a temática da crueldade remeta à poesia expressionista alemã, e em especial a Gottfried Benn). Ele não precisa de rebuscadas metáforas nem dos apelos a um fácil subjetivismo para compor o seu discurso, centrado na força semântica das palavras. É um poeta que sabe manejar muito bem o seu instrumento, e que está entre as vozes mais consistentes da poesia praticada hoje em Portugal.

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  2. Anônimo21.10.09

    Estimado Claudio,

    Melícias é de facto um dos excelentes poetas da actual poesia portuguesa, sem dúvida. Quanto à tradição, se nos é permitido aqui falarmos em tradição, pela minha parte vê-lo-ia mais na linha estética de um Luís Miguel Nava ( a violência da linguagem,arrojada e expressiva, bem como certas imagens ( em vários casos até muito parecidas com as do Nava ) apontam para isso. Mas, embora o discurso seja bastante diferente, também poderíamos ali descobrir rastos de um Herberto Helder.
    No que diz respeito à influência do expressionismo alemão, quer esta venha da literatura ( o universo cruel e clínico de Benn encontra- se ali bem patente [ Benn é um dos poetas preferidos do Melícias] ), quer venha do cinema, é evidente na obra deste poeta. E isto ele próprio o reconhece numa entrevista dada ao poeta Walter Hugo Mãe.
    Mas também se descobre que Melícias leu de Quincey

    Com um abraço:

    Luís Costa

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  3. Caro Luís, grato pelo comentário!

    Abraço do

    Claudio

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  4. Anônimo21.10.09

    Cláudio!

    q maravilha encontrar teu blog! Seleção exemplar de poemas. Já linquei nos favoritos e na barra do meu blog! um abração

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