quinta-feira, 2 de setembro de 2010
RELENDO MÁRIO FAUSTINO (I)
SINTO QUE O MÊS PRESENTE ME ASSASSINA
Sinto que o mês presente me assassina,
As aves atuais nasceram mudas
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre homens nus ao sul de luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de um cristo preso,
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
À força de suor, de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos
O tempo na verdade tem domínio,
Amém, amém vos digo, tem domínio
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
(Do livro O Homem e sua Hora e Outros Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002)
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Mário Faustino dos Santos e Silva (Teresina, 22 de outubro de 1930 — Lima, 27 de novembro de 1962) foi um jornalista, tradutor, crítico literário e poeta brasileiro. Morreu com apenas 32 anos de idade num desastre aéreo no Peru. Obras: O Homem e sua Hora (1955).
ResponderExcluirEsta é a biografia que consta na Wikipédia. Apenas três linhas (na diagramação do site) para um dos maiores poetas brasileiros.
Belo poema!
ResponderExcluirSinto o aroma do Dylan Thomas... Será mera impressão?
Abraços.
É isso! É uma 'resposta' ao Thomas de "And Death Shall Have No Dominion", não é?
ResponderExcluirPrezado prof. Claudio Daniel
ResponderExcluirTrata-se de um poema intrigante e denso. De fato a cada instante dessa vida ela se torna mais curta. Certa vez disse Machado: "nós matamos o tempo´mas é ele quem nos enterra", dito que se alinha perfeitamente com o enredo do poeta.
Sobre as três linhas, lamentável.