segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CÂNONE E ANTICÂNONE (II)

Mário Faustino escreve sobre Carlos Drummond de Andrade, no ensaio Poeta Maior, incluído no livro De Anchieta aos Concretos:

“Outro aspecto da criação poética que nos parece praticamente ausente na obra de CDA é o da criação de padrões logomelophanopaicos (Pound) ou verbivocovisuais, como diriam Joyce ou os concretistas paulistas. Não há, que saibamos, um só poema seu que represente, nesse sentido, o sucesso atingido, por vezes, por exemplo, em Uma Faca Só Lâmina, de João Cabral de Melo Neto – cuja poesia, entretanto, é bom frisar, teria sido impossível sem a existência prévia de Drummond. Há, todavia, no Fazendeiro do Ar, o mais recente livro de CDA, certo poema que parece indicar um caminhar o poeta neste rumo essencial. Trata-se da Escada, onde lemos:

E mortos, e proscritos
de toda comunhão no século (esta espira
é testemunha, e conta), que restava
das línguas infinitas
que falávamos ou surdas se lambiam,
no céu da boca sempre azul e oco?


Fala-se, de quando em quando, nas chamadas rodas literárias, em uma ‘decadência’ de Carlos Drummond de Andrade. A coisa não nos parece colocada em seus devidos termos. É verdade que o poeta tem publicado, nestes dois últimos anos, alguns poemas, nos suplementos literários, que somente subtraem à sua glória, nada lhe acrescentando. Poemas que não deleitam, não movem, não ensinam, não esclarecem, não criticam, não tomam parte – nem na vida social nem na vida estética – poemas que não criam nem exprimem. Isso, contudo, não significa muito, quando nos lembramos que Carlos Drummond de Andrade há muito publica poemas medíocres nos suplementos, deixando de incluí-los em suas obras completas, quando José Olympio as edita.

Por outro lado, dizem-nos que O Fazendeiro do Ar, o último livro dessas obras reunidas, seria o pior livro de Drummond. Não concordamos. O livro talvez seja um dos menores, em número de páginas. Contém vários maus sonetos (o soneto está longe de ser o forte de CDA). Mas contém obras-primas como o Brinde no Banquete das Musas, a Viagem de Américo Facó – um soneto, aliás – a última parte (Errante) dos Cemitérios, um grande poema em prosa (Morte de Neco Andrade) contém a Escada, que abre, como indicamos, um caminho novo, e, sobretudo, aquela Elegia que é, em nossa opinião, um dos cinco ou seis melhores poemas jamais escritos por Carlos Drummond de Andrade.

(...)

Já apontamos, de outra feita, aquilo que consideramos o seu grande pecado de omissão: o não se ter nunca realmente interessado (e hoje em dia ainda menos) pelo desenvolvimento da poesia brasileira como forma de cultura. O não propagar. O não ensinar, por um de tantos meios. O não lutar abertamente contra os inimigos de nossa poesia: a facilidade, as falsas glórias, a caótica escala de valores, para a qual ele mesmo contribui, às vezes, assinando, ou quase assinando, elogios públicos a poetas que ele mesmo sabe, ou devia saber, estarem longe de merecer tais elogios.

Tudo isso, porém, pouco importa. Como também pouco importa a baixa qualidade dos produtos das outras linhas de montagem da fábrica Drummond: as “crônicas”, por exemplo, em prosa e verso, do canto da página CDA da imprensa diária. O que importa é que temos, mesmo nos 50 Poemas, quanto mais nos 262 de Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora, a mais importante contribuição jamais feita em verso para o aprofundamento, para o aguçamento e para a diversificação da língua portuguesa no Brasil.”

(21 de abril de 1957)

Nenhum comentário:

Postar um comentário