Sua prosa utiliza recursos do texto poético, como os jogos sonoros, imagens de alto impacto, invenções de linguagem, resultando em esmeraldas vivas. Qual é a fronteira entre prosa e poesia?
Bueno — Tudo é a arte da poética, a meu ver. Escrevo assim, sempre escrevi assim. Não sei escrever sem ser íntimo. A prosa retém a poesia e é por ela gerada, num processo que aspira, antes de tudo, a ser livre. Acho que a literatura pode ser o máximo de liberdade que desfrutamos sobre a Terra — e eu quero amar o amor da escrita, o gozo epifânico de sua irradiação. Eu não consigo escrever dividido, amarrado pelo cânone e pela norma. Ora, se aquilo ali é o meu mais exasperado espaço de liberdade, é nele que devo me pôr a vigir. E tudo é a poesia das coisas. Viver já é um ato poético em si, para lembrar Hölderlin. E, dos atos poéticos, o que, convenhamos, requer de nós mais coragem, bravura, heroísmo – chame do que se quiser chamar ao desassombro. Indispensável para que sobrevivamos à perplexidade de nos flagrarmos vivos.
Em várias de suas novelas, há citações da língua e do imaginário guarani, não raro mesclados ou transfigurados por sua própria criação fabulatória. Quando começou o seu interesse pelas culturas dos índios? Você é um estudioso do folclore das nações indígenas?
Bueno — Não, não me considero um expert indigenista, digamos assim. Minha curiosidade com relação ao tema às vezes penso que seja anterior a mim mesmo... Nasci no sertão, aquele tempo, — e nem faz tanto tempo assim —, que o Paraná tinha sertão — a floresta virgem, a fauna nativa quase intocada. Sou bisneto de índia guarani com alemão. Imagina a mistura... Minha bisavó, (mãe de minha avó materna, esta uma bugra de olhos azuis e que comia com as mãos), foi caçada a laço no interior paulista por um germano de fuzilantes olhos azuis. Faço uma pequena homenagem a este meu bisavô em Tio Roseno e claro, bem mais evidente, à minha bisavó índia. A coisa índia está em mim quase como uma segunda pele, sou um bugre angustiado, perplexo olhando as árvores da rua, os automóveis, o trânsito vertiginoso.
Como é o seu processo criativo? Você escreve todos os dias? Elabora o enredo antes de escrever, ou desenvolve a narrativa durante o ato da escritura? Como surgem os personagens? A linguagem molda a elaboração fabulatória, ou as palavras seguem o ritmo da história?
Bueno — Curioso, penso que não escrevo nunca... Estou o tempo inteiro me culpando e me cobrando, mas estou ali escrevendo, escrevendo, escrevendo... São caderninhos, cadernões, agendas, folhas soltas, guardanapos.... E quando não estou literalmente grafando estou pensando no que grafar, como grafar, de que modo grafar. E entre uma coisa e outra estou sempre numa festa constante com as poucas pessoas que me são íntimas, esquecido de que exista a Literatura, e me culpando de que não esteja escrevendo... Sou um preguiçoso olímpico, desses que mourejam noite e dia... Mas acho que é porque encontrei um modo mais leve de exercer o ofício — vou escrevendo sem grandes pretensões a não ser a de fazer coisas que me dêem a satisfação plena de que eu esteja, quem sabe, capturando o improvável...
(Leiam a íntegra da entrevista que fiz com Wilson Bueno no site Cronópios.)
Bueno — Tudo é a arte da poética, a meu ver. Escrevo assim, sempre escrevi assim. Não sei escrever sem ser íntimo. A prosa retém a poesia e é por ela gerada, num processo que aspira, antes de tudo, a ser livre. Acho que a literatura pode ser o máximo de liberdade que desfrutamos sobre a Terra — e eu quero amar o amor da escrita, o gozo epifânico de sua irradiação. Eu não consigo escrever dividido, amarrado pelo cânone e pela norma. Ora, se aquilo ali é o meu mais exasperado espaço de liberdade, é nele que devo me pôr a vigir. E tudo é a poesia das coisas. Viver já é um ato poético em si, para lembrar Hölderlin. E, dos atos poéticos, o que, convenhamos, requer de nós mais coragem, bravura, heroísmo – chame do que se quiser chamar ao desassombro. Indispensável para que sobrevivamos à perplexidade de nos flagrarmos vivos.
Em várias de suas novelas, há citações da língua e do imaginário guarani, não raro mesclados ou transfigurados por sua própria criação fabulatória. Quando começou o seu interesse pelas culturas dos índios? Você é um estudioso do folclore das nações indígenas?
Bueno — Não, não me considero um expert indigenista, digamos assim. Minha curiosidade com relação ao tema às vezes penso que seja anterior a mim mesmo... Nasci no sertão, aquele tempo, — e nem faz tanto tempo assim —, que o Paraná tinha sertão — a floresta virgem, a fauna nativa quase intocada. Sou bisneto de índia guarani com alemão. Imagina a mistura... Minha bisavó, (mãe de minha avó materna, esta uma bugra de olhos azuis e que comia com as mãos), foi caçada a laço no interior paulista por um germano de fuzilantes olhos azuis. Faço uma pequena homenagem a este meu bisavô em Tio Roseno e claro, bem mais evidente, à minha bisavó índia. A coisa índia está em mim quase como uma segunda pele, sou um bugre angustiado, perplexo olhando as árvores da rua, os automóveis, o trânsito vertiginoso.
Como é o seu processo criativo? Você escreve todos os dias? Elabora o enredo antes de escrever, ou desenvolve a narrativa durante o ato da escritura? Como surgem os personagens? A linguagem molda a elaboração fabulatória, ou as palavras seguem o ritmo da história?
Bueno — Curioso, penso que não escrevo nunca... Estou o tempo inteiro me culpando e me cobrando, mas estou ali escrevendo, escrevendo, escrevendo... São caderninhos, cadernões, agendas, folhas soltas, guardanapos.... E quando não estou literalmente grafando estou pensando no que grafar, como grafar, de que modo grafar. E entre uma coisa e outra estou sempre numa festa constante com as poucas pessoas que me são íntimas, esquecido de que exista a Literatura, e me culpando de que não esteja escrevendo... Sou um preguiçoso olímpico, desses que mourejam noite e dia... Mas acho que é porque encontrei um modo mais leve de exercer o ofício — vou escrevendo sem grandes pretensões a não ser a de fazer coisas que me dêem a satisfação plena de que eu esteja, quem sabe, capturando o improvável...
(Leiam a íntegra da entrevista que fiz com Wilson Bueno no site Cronópios.)
"capturar o improvável" - que bela definição para o ofício do poeta.
ResponderExcluirPrezado prof. Claudio Daniel
ResponderExcluirLi a entrevista na íntegra e somente depois disso dei-me conta da imensa perda para as letras brasileiras a passagem do poeta. Vou procurar conhecer melhor a obra dele, pois pelo que pensa e pronuncia, tratou-se de uma figura genial.