SILÊNCIOS
para Fernando Paixão
1
há um Deus de luto
no demasiado rútilo
que se liquida ao norte
por uma estrela-de-gelo
e a lua simples nos olmos
carrega em impuro siena
pelas mãos do Deus abrupto
acre oficina de sustos
2
há um Deus bem gaiato
na sarabanda do outono
que daqui se vê todo ano
o mesmíssimo outono
de há quatro mil anos
com Deus pelos cantos
pondo branco no agapanto
e amanhecendo paineiras
3
há um Deus silente
na tinta incendiada
de sonetos e poentes
manhã de ouro encardida
cincerros de madrugada
sussurro de Deus com pluma
no andado quase ar voante
de chá e voal o vento
4
diante de tanto quanto Deus
dá-me que entenda
pelo juízo da veia
a via tácita ou láctea
de víscera expectante
pelo que Deus põe de tarde
numa abelha azul-da-prússia
e vos faz de céu a senha
CADA CABEÇA, UMA SENTENÇA
A cabeça fervendo
de serpentes, eu sou a bela,
a pérfida, a contracorrente,
a vagabunda de Netuno,
a escorraçada do templo.
Eu sou a que vos convoca
em pedra e vos come a nojo
a vida que em nojo vestes.
Digam de Perseu os ouros
de caçar-me pela Floresta,
eu que sou continuadamente
só uma cabeça em suspenso
que a vêm devorando os séculos
— cada cabeça, uma sentença.
Esta, a minha vingança.
(Poemas incluídos na antologia Jardim de Camaleões, que publiquei em 2004 pela Iluminuras.)
sábado, 5 de junho de 2010
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"...pelo que Deus põe de tarde
ResponderExcluirnuma abelha azul-da-prússia
e vos faz de céu a senha" - a palavra imortal que atravessa os mensageiros, poetas.
Adorei os poemas.
ResponderExcluirVisite http://emaranhadorufiniano.blogspot.com
e
http://po-de-poesia.blogspot.com
Abrçs!!!