A UNIÃO LIVRE
Minha mulher com o cabelo de fogo de lenha
Com pensamentos de relâmpagos de calor
De talhe de ampulheta
Minha mulher com a talhe de lontra entre os dentes de tigre
Minha mulher com a boca de roseta e de buquê de estrelas de última grandeza
Com dentes de rastro de camundongo sobre a terra branca
Com língua de âmbar e de vidro em atritos
Minha mulher com língua de hóstia apunhalada
Com a língua de boneca que abre e fecha os olhos
Com a língua de inacreditável pedra
Minha mulher com cílios de lápis de cor das crianças
Com sobrancelhas de borda de ninho de andorinha
Minha mulher com têmporas de ardósia de teto de estufa
E de vapor nos vidros
Minha mulher com espáduas de champanhe
E de fonte com cabeças de delfins sob o gelo
Minha mulher com pulsos de fósforos
Minha mulher com dedos de acaso e de ás de copas
De dedos de feno ceifado
Minha mulher com axilas de marta e de faia
De noite de São João
De ligustro e de ninho de carás
Com braços de espuma de mar e de eclusa
E de mistura do trigo e do moinho
Minha mulher com pernas de foguete
Com movimentos de relojoaria e de desespero
Minha mulher com panturrilhas de polpa de sabugueiro
Minha mulher com pés de iniciais
Com pés de chaveiros com pés de calafates que bebem
Minha mulher com pescoço de cevada perolada
Minha mulher com a garganta de Vale d’Ouro
De encontro no leito mesmo da torrente
Com seios de noite
Minha mulher com seios de toupeira marinha
Minha mulher com seios de crisol de rubis
Com seios de espectro da rosa sob o orvalho
Minha mulher com ventre de desdobra de leque dos dias
Com ventre de garra gigante
Minha mulher com dorso de pássaro que foge vertical
Com dorso de mercúrio
Com dorso de luz
Com a nuca de pedra rolada e de giz molhado
E de queda de um copo do qual se acaba de beber
Minha mulher com ancas de chalupa
Com ancas de lustre e de penas de flecha
E de caule de plumas de pavão branco
De balança insensível
Minha mulher com nádegas de arenito e de amianto
Minha mulher com nádegas de dorso de cisne
Minha mulher com nádegas de primavera
Com sexo de gladíolo
Minha mulher com sexo de mina de ouro e de ornitorrinco
Minha mulher com sexo de algas e de bombons antigos
Minha mulher com sexo de espelho
Minha mulher com olhos cheios de lágrimas
Com olhos de panóplia violeta e de agulha magnetizada
Minha mulher com olhos de savana
Minha mulher com olhos d’água para beber na prisão
Minha mulher com olhos de madeira sempre sob o machado
Com olhos de nível d’água de nível do ar de terra e de fogo.
Tradução: Priscila Manhães e Carlos Eduardo Ortolan
sábado, 7 de agosto de 2010
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Belíssimo poema.
ResponderExcluirtiu
O par perfeito para "Meu Homem", da Jurema Barreto...
ResponderExcluirTerá sido muso ou musa inspirador[a]?!
Lindo demais!
Katyuscia, como o Breton escreveu algumas décadas antes da Jurema, creio que ele foi o muso dela (rsss)... beso,
ResponderExcluirCD
Claudio, sim, desculpa minha ignorância... só em seguida fui pesquisar sobre o autor - que eu não conhecia... e vi a Biografia, claro.
ResponderExcluirAgradeço a você a oportunidade de me deparar com este poema e com a "descoberta" deste escritor.
[Fui procurar mais trabalhos dele...]
Um abraço.
Katyuscia, procure um livro do Breton chamado O Peixe Solúvel, muito interessante. Arcano 17 também é um livro bem legal. Beso,
ResponderExcluirCD
Cláudio,
ResponderExcluirNo momento, é um pouco difícil para procurar por livros em português, mas estão anotados, e assim que puder, vou tentar conhecer os dois títulos, sim.
Muito obrigada pela dica, pela atenção, pela partilha.
Abraços.