segunda-feira, 5 de julho de 2010

UMA CONVERSA COM AUGUSTO DE CAMPOS (II)

CD: Em Música de invenção, você fez uma ampla abordagem da música experimental do século XX. Aliás, sua preocupação nessa área está presente também em obras como O balanço da bossa, as traduções de Arnaut Daniel e do Pierrot Lunaire e as parcerias com Caetano Veloso. Qual é a importância da música para o seu trabalho poético?

Augusto: A importância da música é obviamente muito grande em meu trabalho, que começou sob o signo dela. Antes mesmo do lançamento oficial da poesia concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1956, três poemas do Poetamenos foram apresentados no Teatro de Arena, num espetáculo que já levava o título de Música e Poesia Concreta, ao lado de Machaut e Webern, em 1955. O trabalho com Cid Campos, no CD Poesia é risco e nos espetáculos do mesmo nome testemunham a continuidade da presença da música em minha atuação poética. Assim como o recente Música de invenção, que tenta alertar para a grande lacuna cultural deste fim de século, que é a paradoxal marginalização da música erudita moderna, da "música contemporânea", uma das mais fascinantes aventuras da criação artística do nosso tempo.

CD: Você publicou uma nova edição, ampliada, dos poemas de cummings, autor que vem traduzindo desde os anos 50. A seu ver, a contribuição de cummings já está esgotada, ou ainda é possível aprender algo de novo com ele?

Augusto: cummings está mais vivo que nunca. Sua poesia é mais nova e mais atual do que a maior parte da que se lê hoje, considerando-se que houve nos últimos tempos, a pretexto de "pós-moderno" (na verdade, antes "anti" ou "contra"' moderno, quase sempre) um retrocesso na linguagem poética. cummings concilia liberdade (desmembra e intercepta frases, palavras e sílabas, dinamizando o poema e multiplicando as direções e as dimensões da leitura) e rigor (suas estruturas poéticas obdecem a processos de organização que se opõem às facilidades verbais), o que é raro. Há muito que aprender e que degustar em sua poesia.

CD: Em Despoesia, há diversas referências ao cosmo, ao quasar e ao quark. A própria disposição espacial das palavras, em alguns poemas, recorda mapas celestes. De onde vem o seu namoro com a astronomia?

Augusto: No fundo, há, inelutavelmente, a sombra de Mallarmé e seu Lance de dados ("…exceto, talvez, uma constelação…"). Mas essa angústia ou inquietação cósmica é ao mesmo tempo muito humana e muito da nossa época, palco de tantos avanços na física e na cosmologia. Penso sempre nos poemas Pulsar e Quasar, de 1975, como mensagens numa garrafa cósmico-terrestre, à maneira daquela que foi enviada ao espaço, um ano antes, em sinais de rádio, do Observatório de Arecibo, ou daquela outra, que a sonda espacial Voyager levou, em 1977, num "disco interestelar" , à procura de um hipotético decifrador extraterreno. Não é essa uma boa metáfora para a poesia, sempre em busca de "vida inteligente", "alienígenas espertos", aqui mesmo na terra, e já agora no ciberespaço?

Nenhum comentário:

Postar um comentário