CD: Desde o final dos anos 80, você tem feito experiências com a poesia digital, que une imagem, som e movimento. Pretende lançar um CD Rom com alguns desses novos poemas?
Augusto: Desde que um amigo meu, o professor Charles Perrone, da Universidade da Flórida, Gainesville, em fins de 1984, me mandou um prospecto do primeiro Mac, lançado justamente naquele ano, fiquei namorando os computadores pessoais. Só vim a ter o meu primeiro "Classic" em 1991, mas naquele mesmo ano de 84 eu já entrava em contato com um computador de alta resolução, Sistema Intergraph, convidado por Wagner Garcia e Mário Ramiro para participar de um pacote artístico patrocinado por aquela empresa. Com o auxílio deles e da equipe do "Olhar Eletrônico" pude então realizar o meu primeiro videoclip: uma versão em movimento do poema Pulsar (sincronizada com a música de Caetano Veloso), que chegou a ser divulgada pela televisão. A partir de 1991 pude enfronhar-me cada vez mais no mundo digital, passando por vários estágios de macintoxicação, até chegar ao ciberespaço. É claro que gostaria de fazer um CD Rom. Material não me falta. O que falta é apoio balístico-financeiro.
CD: A crise do verso anunciada por Mallarmé, a seu ver, aponta para o fim da poesia como arte verbal, com a adoção dos meios eletrônicos, ou ainda é possível a experimentação no poema-texto?
Augusto: Não acho que a crise do verso aponte para o fim da poesia como arte verbal, mas para um redimensionamento estrutural do poema. Essa reestruturação começou a ser trabalhada de vários modos pelas vanguardas do início do século, mas foi interrompida pela intervenção de duas grandes guerras e de duas ditaduras, a nazista e a stalinista, que perseguiram tenazmente os artistas experimentais e retardaram a evolução. Retomada, sob a inspiração de Mallarmé, pela poesia concreta, na segunda metade do século, essa abertura estrutural continha em germe os pressupostos das linguagens que iriam encontrar o seu "habitat" natural no contexto das novas tecnologias eletrônicas. Nesse contexto, a palavra não deixa de ter lugar, mas tem que ser reciclada, entrando em contato direto com a dimensão não-verbal, as imagens e os sons, e passa a ser interdisciplinar, intertextual e muitas vezes interativa, além de projetar-se em parâmetros materiais mais amplos, que devem levar em conta critérios de forma, cor, espaço e movimento. Não há porque excluir o livro ou outros suportes matéricos e textuais, que seguem o seu curso e até se beneficiam da tecnologia digital no processo de sua feitura. O que ocorre é a abertura insopitável para o universo virtual, em situações em que a palavra, potencializada em todos os seus parâmetros, já não cabe no livro. Suponho que haverá ainda, por muito tempo, lugar para aqueles que prefiram trabalhar exclusivamente as poéticas do texto fora do contexto das novas mídias eletrônicas. Por outro lado, insisto em sublinhar, o mero domínio do computador não transforma ninguém, só por só, em grande poeta, e as facilidades da engenharia digital devem preocupar sempre aqueles que a usam. Acima de tudo, a grande arte é sempre difícil. "Sem presumir o que sairá daqui, nada ou quase uma arte", dizia Mallarmé, há um século, no prefácio do Lance de dados, que antecipou todos os lances. E Pound, inventor de tudo: "Beauty is difficult". E Schoenberg, mestre de todos, aos seus alunos: "Eu vim aqui para tornar impossível a vocês compor música". Daí surgiram Anton Webern, Alban Berg e John Cage.
CD: Fale um pouco sobre o seu método de trabalho. Costuma escrever todos os dias? Quando escreve um poema, o que surge primeiro: o assunto, alguma palavra, o design ou algum recurso de linguagem? Tudo é planejado, ou em dado momento entra em ação o acaso?
Augusto: Trabalho todos os dias, mas poemas, mesmo, faço muito poucos. Traduzo muito mais poemas alheios do que faço os meus próprios. É uma forma de aprendizado, de crítica criativa e de conversa inteligente. Armazeno informações e me preparo, sem pressa. Mas não planejo racionalmente poemas. Uma forma, uma frase, uma imagem, um fato, uma emoção, uma palavra podem constituir um indício e precipitar um momento de tensão, a partir do qual se desencasula o poema, que, então sim, depois da chispa inicial, pode ser controlado, desenvolvido e aperfeiçoado com o know how adquirido. Não desdenho o acaso, ao qual até já dediquei um poema.
(Trechos da entrevista que fiz com o poeta, publicada em 1999 no Suplemento Literário de Minas Gerais.)
Li agora e gostei muito do que foi dito. Porém, no que tange a poesia, valorizo essencialmente a beleza da escrita. Penso que o movimento, a imagem e a melodia do poema são eventos mentais. As palavras pintam imagens e dedilham sons na cabeça do leitor. A magia está aí, na tela mental. O leitor deixa-se pintar e, ao mesmo tempo, é matéria prima também da pintura. É um dar e receber.
ResponderExcluirCaro Amílcar, há várias estratégias possíveis para a criação poética, tudo depende da competência do poeta. No caso específico da Poesia Concreta, acredito que a visualidade, a sonoridade e a mobilidade não eliminam nem a escrita, nem a participação imaginativa do leitor, muito ao contrário: tais recursos potencializam ainda mais a força da palavra escrita, e estimulam a inteligência do leitor a percorrer vários caminhos interpretativos.
ResponderExcluirAbraço,
CD
Oi, Claudio! Nos encontramos na Paulista e fiquei de passar meu blog, é porguikas.blogspot.com. Abraço!
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