Cinema e bombons de licor, olhos pousados em seios, a vontade de ser pele-vermelha e a boca de Lúcia em seus dedos.
Acendem-se as luzes.
Pernas e cortinas se fecham, bocas mudas ergueram-se das poltronas e olham para os cartazes de um novo filme chinês.
Depois, cabelos e corpos ficam ensopados na corrida de touros até o mais próximo ponto de táxi.
Acendem-se as luzes.
Pernas e cortinas se fecham, bocas mudas ergueram-se das poltronas e olham para os cartazes de um novo filme chinês.
Depois, cabelos e corpos ficam ensopados na corrida de touros até o mais próximo ponto de táxi.
* **
A noite tem peitos de esfinge, olhos de coruja, patas de macaco e asas de morcego.
Música de Wagner no CD. O canto de Brunhilde, na voz de Birgit Nilsson, no final do III ato de Siegfried.
A moça tira a lingerie e o céu joga flores brancas, azuis e amarelas nos braços e pernas que se misturam ao som de metais e violoncelos.
* * *
No dia seguinte.
Chá de cidreira matinal, pão preto com ricota, incenso e água para o Buda, regar o canteiro de flores no jardim.
Máscara balinesa na parede, um espelho oval de lupanar, cheiro de banho morno e o jornal espalhado no chão da sala, entre cartas de tarô.
Wolfram ligou a tevê para saber do atentado ao metrô de Paris. Onze mortos, dezenas de feridos, luzes de sirenes, jatos de água, policiais.
Fotógrafos e jornalistas estrangeiros acorrem como formigas, e as valquírias de Alá conduzem o mujahedim ao paraíso do Profeta.
Ele passava geléia em outra fatia de pão e dizia que vão tomar as cidades européias, todos vão ter de ler o Alcorão, jejuar no Ramadã.
Depois de Londres e Moscou, será a vez de Nova York, homens barbudos e mulheres vestindo a burga em frente ao Empire State.
Ela diz, não brinque, há cadáveres nas ruas, entre solidéus, katyushas e minaretes de mesquitas, quando o filme louco vai terminar?
Ele tocou mais uma vez a valsa da loucura, todos são insanos, malucos, kamikases, clones de Ariel Sharon e de George Bush.
Que nunca leram Whitman deitados na grama.
Nem contaram os dedos de suas namoradas ou recitaram fábulas persas para as nuvens, antes de outro ataque de furor genocida.
Baby, eles nunca ouviram Charlie Parker nem recitaram o mantra de Amitaba, pois estavam ocupados matando afegãos nos hospitais.
São eles, os gárgulas da guerra, os gigolôs de uma velha cadela banguela, uma civilização de remendos, uma marafona dos infernos.
Então, ela diz, tá, vem amor, desligue um pouco o Estúdio Realidade, vamos fazer um novo concurso de sonhos, eu deixo você ganhar.
Ela acende outro cigarro e diz, vem, não cansei de ouvir tuas alucinações.
Uma noite, você é o boxeador nigeriano com dentes de ouro.
Outra noite, é o gângster de Pacino com a metralhadora Thompson .45, ou é eleito Papa no Vaticano e canoniza Muamar Khadaffi.
Hoje, quem sabe, será o eunuco do serralho de um turco, com peito de bronze azeviche e uma longa faixa amarela contornando a cintura.
Eu sou apenas a loura com olhar monótono de couve-flor inglesa que atende telefonemas e entrega relatórios ao senhor diretor.
À noite, brinco de puta, e você usa minhas calcinhas coloridas para estrangular os cãezinhos do tédio.
Já de manhã, coloco água-de-colônia, salto alto e volto à rotina de abrir e-mails, receber malotes do correio e conferir falcatruas fiscais.
Wolf, eu não sei o que são os portais-de-pérola.
Sei apenas que um elevador espelhado é a ponte de arco-íris entre a recepção de voz titânica e a sala em carpete marrom do 7º andar.
Digo bom-dia com o olhar opaco da tarântula, sento em minha mesa e ligo o computador, discretíssima como um jornal dobrado.
Depois, abaixo a cabeça de alfinete e cravo as unhas no teclado, ao meio-dia telefono para a junky food e música de girassóis amassados.
À noite, chego em casa como um telegrama. Coloco tofu e sopa de ervilhas na tigela, ouço jazz de Charles Mingus e brinco de me matar.
Antes de beber o coquetel de creolina, pego o controle remoto, ligo a TV, deito nua na cama e ensino o gato a me chamar de Lady Solidão.
Tenho uma lata de salsichas em conserva na geladeira. Você quer?
Estou adorando isso, Claudio. Que imagens incríveis. "o concurso de sonhos" - quem não quer ganhar... :) Gostei demais do "formato" do texto. Abraço!
ResponderExcluirNydia, obrigado. Esse livro, o Romanceiro de Dona Virgo, saiu em 2004, vou ver se consigo uma reedição por uma editora que distribua bem em livrarias.
ResponderExcluirBeso,
CD