sábado, 17 de julho de 2010

CONFISSÕES INCONFESSÁVEIS (I)







Parei de fumar há um ano e meio. Confesso que não sinto nenhuma vontade de voltar a acender um cigarro. Nem vontade física, nem mental. Não parei de fumar pensando em ter vida longa, nem por convicção filosófica, religiosa ou por pressão social e publicitária, e não usei nenhuma medicação específica para combater o tabagismo: tive apenas uma forte motivação, a de obter uma condição física mais adequada à prática do Aikidô, arte marcial japonesa criada na primeira metade do século XX por Morihei Ueshiba a partir de antigas técnicas de combate dos samurais. Esta arte me fascina pela beleza, equilíbrio e harmonia dos movimentos, e sobretudo pelo trabalho de sensibilidade, percepção, intuição, consciência corporal e interação com os que estão à sua volta. O colega de treino, ou uke, não é visto como um adversário, mas como alguém que colabora com o seu aprendizado: o Aikidô é o caminho da união da sua energia com a do outro (Ai, unir; Ki, energia; Do, caminho), e desse trabalho advém a eficiência das técnicas (em resumo, usar a força do outro contra ele mesmo). Os verdadeiros inimigos, de acordo com a filosofia dessa arte, são internos: o ódio, a inveja, o ciúme, a cobiça, o medo e outros venenos mentais. Acredito que o Aikidô transcende a prática física, é no fundo um exercício mental e espiritual, que exige talvez o tempo de uma vida para termos um pequeno conhecimento de alguns de seus aspectos.

Já escrevi muitas vezes aqui sobre esta arte fascinante, que hoje me interessa muito mais do que a literatura ou qualquer outro assunto. Minha intenção inicial, ao escrever este relato, era a de falar sobre a “vida após o cigarro”, agora que completei 18 meses de abstinência. Sofri muito nos primeiros três ou quatro meses (o cigarro era um estímulo à minha própria criação literária, inclusive; mas acabei descobrindo que, mais do que inspirar, ele roubava tempo do trabalho criativo, já que eu era obrigado a parar de escrever, a intervalos de tempo, para ir fumar na área de serviço). Cortei o consumo de café, álcool, carnes temperadas, comidas picantes, qualquer coisa que pudesse “chamar” o cigarro, nos primeiros meses. Beber água ajuda? Sim, mas não muito; em meu caso, funcionou mais o truque mental de “mudar de assunto”: deu vontade de fumar? Ótimo, vamos mudar de assunto! Mente, que tal você pensar no segundo ato da ópera Tristão e Isolda, de Wagner? Ou então, naquele artigo sobre a técnica de fabricação tradicional da espada japonesa? Ou num poema de Hoelderlin que reli tantas vezes e nunca consegui entender? Parece algo ingênuo, mas funciona: a mente muda o objeto do pensamento, e em alguns minutos a vontade de fumar desaparece. O curioso é que, nesse tempo todo, por diversas vezes eu sonhei que estava fumando, e os sonhos nunca eram prazerosos: eles traziam um sentimento de culpa, do tipo: “Caralho! Você aguentou tanto tempo, tinha que ceder agora?”. Quando acordava, e sabia que foi apenas um sonho, eu me congratulava por ter mantido a força de vontade, e não recuado em meu propósito. O resultado de todo esse esforço, 18 meses depois? Sim, a respiração melhorou, a disposição física, o paladar, engordei 15 quilos e, o melhor de tudo: a dependência mental desapareceu. Esta, acredito, foi a maior conquista nessa batalha, após 30 anos de uso regular de tabaco.

P.S.: revendo filmes de Bergman e Godard, como Monika e o Desejo e Acossado, sou obrigado a admitir que o cigarro tem um indiscutível charme, criou uma estética própria e talvez uma mitologia.

4 comentários:

  1. Parabéns Claudio! Inspirador como sempre... A mente + a força de vontade são capazes de qualquer coisa. Me sinto assim quando pratico escalada :) Também já fui fumante e hoje em dia não troco nada pela minha saúde mental e física. Beijos.

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  2. Congrats,
    Eu acho que preciso reler até me convencer.
    Por enquanto parece impossível...

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  3. Aninha, sempre há tempo (eu fumei durante 30 anos)... ficar uma semana numa fazenda onde é proibido fumar, e sem levar cigarro escondido, também ajuda bastante!

    Beso,

    CD

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