sexta-feira, 16 de julho de 2010

DOIS POEMAS DE EMILIO ADOLPHO WESTPHALEN

UMA CABEÇA HUMANA VEM...

Uma cabeça humana vem lenta desde o esquecimento
Tenso se detém o ar
Vem lento o seu olhar
Um lírio traz a noite às costas
Como pesa o esquecimento
A noite é extensa
O lírio uma cabeça humana que sabe o amor
Mais débil não é senão a sombra
Os olhos não negam
O lírio é alto de antiga angústia
Sorriso de antiga angústia
Com díspar sinistro com ímpar
Teus lábios sabem desenhar uma estrela sem equívoco
Retornei dessa atarefada estância e de uma temerosa
Você não tem temor
É alta de várias angústias
Quase alcança o amor teu braço estendido
Eu tenho uma guitarra com sonho de vários séculos
Dor de mãos
Notas truncadas que se calavam podiam dar ao mundo o que faltava
Minha mão se alça mais para baixo
Colhe a última estrela de teu passo e teu silêncio
Nada igualava tua presença com um silêncio esquecido em tua cabeleira
Se falava nascia outro silêncio
Se calava o céu contestava
Fiz de mim uma lembrança de homem para ouvir-te
Recordo de muitos homens
Presença de fogo para ouvir-te
Detida a corrida
Atravessados os corpos e diminuídos
Porém está na glória da eterna noite
A chuva crescia até teus lábios
Não me digas em qual céu você tem a sua morada
Em qual esquecimento tua cabeça humana
Em qual amor meu amor de vários séculos
Conto a noite
Desta vez teus lábios iam com a música
Outra vez a música esqueceu os lábios
Ouve, se me esperasse detrás desse tempo
Quando não fogem os lírios
Nem pesa o corpo de uma garota sobre o relento das horas
Já me dói tua fadiga de não querer voltar
Você sabia que ia se ocultar o silêncio o temor o tempo teu corpo
Que ia ocultar teu corpo
Já não encontro tua lembrança
Outra noite sobe por teu silêncio
Nada para os olhos
Nada para as mãos
Nada para a dor
Nada para o amor
Por que haveria de te ocultar o silêncio
Por que haveria de te perder minhas mãos e meus olhos
Por que haveria de te perder meu amor e meu amor
Outra noite baixa por teu silêncio

UMA ÁRVORE SE ELEVA ATÉ O EXTREMO...

Uma árvore que se eleva até o extremo dos céus que a cobiçam
Golpeia com dispersa voz
A árvore contra o céu contra a árvore
É a chuva encerrada em tão pouco espaço
Golpeia contra a alma
Golpeia com os galhos a voz a dor
Não faças tal força para que te ouçam
Eu te cedo meus dedos meus galhos
Assim poderás raspar arranhar gritar e não apenas chorar
Golpear com a voz
Porém tal leveza me fere
Me desola Não te acreditava de tal ânimo
E que não cabes no espaço
Como golpeia a árvore a árvore a árvore
Água
E navegam os vermelhos galeões pela gota de água
Na gota de água soçobram
Acaso golpeia o tempo
Outra gota
Água
A garganta de fogo água água
Morto pelo fogo
As chamas gigantescas
Maravilhoso final
Morto sem água no fogo
A mão arranhava o fogo
A mão
E nada mais que sangue água
Não sangue fogo último fogo
Definitivo fogo
As gotas contam outra coisa
Ninguém conta as gotas
As lágrimas são de mais perfeita forma
Sua música mais suave apagada
O rosto de uma garota ilumina uma lágrima com sua luz suave apagada
A chuva chora em todo o espaço
Inunda a alma sua música
Golpeia outra ânima suas folhas
As gotas Os galhos
Chora a água
Conta-se o tempo com as gotas o tempo
A música desenha o céu
Caminha sobre a água a música
Golpeia A água
Já não tenho alma já não tenho galhos já não tenho água
Outra gota
Sim
Embora me afogue
Já não tenho alma
Nas gotas se afogaram os valentes cavaleiros
As formosas damas
Os valentes céus
As formosas almas
A música dos tropeços
Nada salva ao céu ou à alma
Nada salva a música a chuva
Já sabia que além do céu da música da chuva

Crescem os galhos
Além
Crescem as damas
As gotas já sabem caminhar
Golpeiam Já sabem falar
As gotas
A alma água falar água caminhar gotas damas galhos água
Outra música alba de água canta música água de alba
Outra gota outra folha
Cresce a árvore
Outra folha Já não cabe a alma na árvore na água
Já não cabe a água na alma no céu no canto na água
Outra alma
E nada de alma
Folhas gotas galhos almas
Água água água água
Morta pela água

Traduções: José Arnaldo Villar

3 comentários:

  1. Claudio, muito bom! Vale a pena ler de novo, com mais calma, mais tarde.

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  2. Mar, sim, o Westphalen e o Moro são bárbaros... junto com o Vallejo, formam a trinca da melhor poesia peruana do século XX, in my opinion... aliás, saiu há alguns anos, na Argentina, uma excelente antologia de poesia peruana, organizada por Reynaldo Jiménez e publicada pela editora Tsé Tsé, que se chama El Libro de unos Sonidos. Vale a pena ler. Beso,

    Cld.

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  3. Belíssimos poemas e traduções. Andei vendo também uma antiga postagem com uma poema que começava assim " uma garota da Hungria.." . Não conheço o original, mas achei o poema e a tradução primorosos. Raros!

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