sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

UMA CONVERSA COM REYNALDO JIMÉNEZ (III)

RJ: Você mencionou há pouco a imaginação como um componente de tua poética. Numa época de todo tipo de “realismos”, não é frequente escutar esta reivindicação. Como opera em tua prática criativa esse elemento aglutinante e por sua vez proliferante da imaginação?

CD: Acho interessante a proposta de romper, na escritura poética, com as normas e limites de uma suposta “realidade” objetiva, incorporando referências simbólicas e culturais, conteúdos e fatos de outras “realidades”, presentes em mitologias, filosofias, sonhos, filmes, poemas e demais experiências. Como já fizeram, séculos antes de Dali ou Breton, pintores como Bosch e Brueghel ou escritores como Dante e Shakespeare (para não falar do Sousândrade do Inferno de Wall Street). Discordo, no entanto, de aspectos básicos da estética e do pensamento surrealistas; minha poesia é planejada, calculo os efeitos, os recursos, a linguagem, ainda que incorporando sugestões da intuição e do acaso. Por outro lado, os surrealistas conservaram intacto o “verso”, embora como verso livre (unidade melódico-sintática do poema), a gramática e a linearidade do discurso; todo meu esforço vai no sentido oposto, ou seja, rumo à fragmentação da sintaxe e desarticulação da lógica discursiva, por meio de outras formas de associação entre as palavras. claro que, em alguns textos, mesclo de maneira deliberada objetos banais como arames, garrafas, botas de borracha, a imagens de jaguares ou minaretes. Para quê? Para provocar estranhamento e subverter a suposta “normalidade” do cenário (e da escritura), numa espécie de ação de desmascarar o cotidiano, mostrar seu absurdo, sua tênue fronteira com a “irrealidade”. São caricaturas, sátiras verbais, com todo o exagero sugerido pela própria loucura do “real”.

O poeta, para mim, é um criador de outras realidades; pelas relações inusitadas entre as palavras, ele articula novas formas de pensamento e, logo, novos modelos de mundo. Esse é o potencial subversivo da linguagem, é, digamos, sua ação política. O artista questiona as formas viciadas de viver, sentir e pensar, reflete criticamente sobre a lógica do poder estabelecido, e não se pode cumprir esta missão com formas estéticas convencionais. É preciso criar sempre novos instrumentos de guerrilha cultural, pois não é possível questionar estruturas sociais sem colocar em xeque também o mecanismo de pensamento e a linguagem que são produzidos por essas mesmas estruturas. Quando alguém recorre a formas de escritura tradicionais, ainda que aborde temas “sociais”, não estará fazendo nada além de reproduzir os modelos de ideias vigentes na sociedade. Ao romper com estes padrões e propor outros modelos de comunicar ideias e sensações, o poeta não está conduzindo uma insubordinação aparente, mas uma transformação profunda, que produz novos conteúdos, em uma rebelião contra o banal imediato e o lugar-comum. Tal é o papel da imaginação e da renovação estética: ser também uma ruptura com padrões rotineiros de consciência.
(Continua)

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