quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

UMA CONVERSA COM REYNALDO JIMÉNEZ (II)


RJ: Você caracterizou a tua poesia pela “brevidade de linhas” e “concisão de imagens”, mas, por outro lado, mencionou a paixão barroca. Ao contrário do que se supõe, o barroco permanece mais como um conceito arquitetônico em suas composições, inclusive as verbais, que a mera dispersão acumulativa ou horror ao vazio que se lhe atribui. Agora, segundo percebo, as práticas contemplativas se concentram também no vazio. O que isso te sugere?

CD: Creio que a minha escritura se situa em uma zona fronteiriça entre a concisão e o excesso, a geometria e a vertigem, o equilíbrio e a fúria. Gosto de explorar estruturas, formas de composição, sonoridades, sem permanecer fixo em único ponto. Quando conquisto uma forma poética, ela perde todo o interesse para mim, e saio em busca de outra forma. É o meu código de conduta pessoal, o meu bushido: não repetir o que já fiz (neste caso, é preferível permanecer em silêncio), mas intentar outras formas de escolha e combinação entre as palavras. Minha formação literária inicial esteve marcada pela leitura dos simbolistas, como Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud; com eles, aprendi a alquimia verbal, a sinestesia, o gosto pela estranheza das imagens. A poesia não como cópia mimética do cotidiano, o registro fotográfico de circunstâncias, mas como criação de outras realidades pela palavra (nesse ponto, podemos recordar Huidobro e sua defesa da poesia como um universo “com sua própria fauna e flora”). Sem dúvida, esses pontos luminosos estão presentes até hoje no que escrevo; no entanto, o descobrimento de João Cabral, da Poesia Concreta, já na adolescência, mudou a minha maneira de ver a construção do poema, disciplinando a seleção e associação dos vocábulos, de um modo planejado. Não acredito em uma poesia puramente intuitiva, à maneira da escrita automática dos surrealistas, mas tampouco ambiciono uma pura matemática ou arquitetura impessoal. Há em meus textos muitos elementos da subjetividade, das obsessões do imaginário, ainda que tudo seja modulado segundo uma lógica estrutural precisa: alucino com método.

Creio que meus primeiros poemas aceitáveis nasceram desse matrimônio entre céu e inferno, a exuberância sensorial dos simbolistas e o artesanato rigoroso da vanguarda. A leitura posterior dos neobarrocos latino-americanos me abriu outras portas, mostrou outras possibilidades de investigação poética, com uma luxúria semântica bizarra, ainda que bem ordenada. Comecei a estudar e traduzir esses poetas, como José Kozer, Eduardo Milán, Victor Sosa, Reynaldo Jiménez, e sem dúvida há ecos da pérola irregular transplatina em meus escritos. No entanto, nunca quis ser um poeta “neobarroco”, assim como não sou “concretista” ou “pós-simbolista”. Tento criar uma linguagem própria a partir dessas leituras díspares, inclusive contraditórias, sem restringir-me a um único discurso.

Minha poesia é algo como um jazz fusion, uma mescla programada de referências (e poderia acrescentar o muito que devo a Herberto Helder e Paul Celan, além dos diálogos com a pintura e o cinema). Não quero filiar-me a nenhum conceito estanque. Por outro lado, não vejo contradição entre o “artesanato furioso” do barroquismo e certa economia de recursos: a riqueza imagética, a invenção sintática e outros rituais da religião de Lezama podem estar presentes em estruturas concisas. O que me fascina no barroco moderno é a síntese que opera entre diferentes repertórios culturais e linguísticos, desobedecendo limites impostos pela história e pela geografia, fazendo da atualidade um momento de encontro de culturas. Isto me interessa muito, já que sou um admirador da música clássica européia e também dos cantares chineses, tibetanos, africanos. Tudo isso me alimenta. Se logrei formar uma voz pessoal, ela será uma reverberação de vozes, de ecos, um mosaico composto de tudo aquilo que minha imaginação foi capaz de reunir e combinar, a partir de um repertório escolhido e de minha experiência de vida (que inclui os fatos ocorridos e os sonhados). Não creio ser possível escrever sem dialogar de algum modo com a tradição (claro, aquela tradição pessoal, que nós escolhemos). Por outro lado, a tradição não é mais do que uma sucessão de rupturas, de rebeldias contra os cânones estabelecidos (Dante é clássico hoje, mas não o foi em seu tempo). Seguir a tradição, assim, é traí-la, reinventá-la, de acordo com a nossa capacidade de traduzir em palavras aquilo que o duende nos sugere.

(CONTINUA)

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