quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

UM POEMA DE PAUL CELAN


RETRATO DE UMA SOMBRA

Os teus olhos, rastro de luz dos meus passos;
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais;
a tua sobrancelha, orla pelo caminho da tragédia;
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas;
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos;
as tuas faces, campos de armas da madrugada;
os teus lábios, hóspedes tardios;
os teus ombros, estátua do esquecimento;
os teus seios, amigos das minhas serpentes;
os teus braços, alámos à porta do castelo;
as tuas mãos, tábuas de juras mortas;
as tuas ancas, pão e esperança;
o teu sexo, lei do fogo na floresta;
as tuas coxas, asas no abismo;
os teus joelhos, máscaras da tua altivez;
os teus pés, campos de batalha dos pensamentos;
as tuas solas, criptas em chamas;
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

Tradução: João Barrento

(Do livro A morte é uma flor. Lisboa: Cotovia, 1998.)

4 comentários:

  1. Adriana, sim, o Celan é visceral... beso,

    CD

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  2. Anônimo23.4.10

    Saudações poética, chegue aqui pelos caminhos do poeta Paul Celan...
    Belíssimo poema!

    Beijos!

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  3. Regiani, bem-vinda! Paul Celan é meu poeta de cabeceira há muito tempo...

    Há braços,

    CD

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