segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
UM POEMA DE ALEXANDRE O'NEILL
A NOITE-VIÚVA
Uma pequena angústia sentida nos joelhos
Como o bater do próprio coração
E é a noite que chega
Não a noite-diamante
Mas a noite-viúva a noite
Sete vezes mais impura do que eu
Em passo obsceno em obscena força
Minúscula perversa venenosa
Escrevo o teu nome
Noite de amor que de longe me defendes
Escrevo o teu nome contra a noite obscena
Que a meu lado espera seduzir-me
Levar-me consigo
À porca solidão onde trabalho
À insónia sem margens ao vinho solitário
Duma pequena angústia
Escrevo todos os teus nomes
Puxo-os para mim tapo-me com eles
Na noite da surpresa
Noite feroz da surpresa
Noite do amor atacado de perto e conseguido
Alto e convulsivo
Noite dos amantes deslumbrados
Iluminados pelo demónio mais puro
Noite como uma punhalada ritual no invisível
Noite da vítima-triunfante
Escrevo o teu nome a meu favor e contra
Esta noite este murmúrio esta invenção atroz
A que chamam o dia-a-dia
Estas quatro minúsculas patas
Venenosas da angústia
Escrevo o teu nome cruel
Puro e definitivo.
(Leiam mais poemas de Alexandre O'Neill na Zunái de agosto, que terá, no caderno dedicado ao surrealismo, uma antologia de autores portugueses organizada por Izabela Leal.)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Alexandre O’Neill nasceu em Lisboa em 1924, sendo descendente de irlandeses. Foi um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa, fazendo parte também da posterior formacao do grupo Os Surrealistas. Publica o seu primeiro poema, “Ampola Miraculosa”, nos Cadernos Surrealistas, lancando depois Tempo de Fantasmas (1951), No Reino da Dinamarca (1958), Abandono Vigiado (1960), Poemas com Endereço (1962), Feira Cabisbaixa (1965), De Ombro na Ombreira (1969), Entre a Cortina e a Vidraça (1972), A Saca de Orelhas (1979), As Horas Já de Números Vestidas (1981), Dezanove Poemas (1983) e O Princípio da Utopia (1986). Trabalhou como publicitário, foi preso pela PIDE em 1953 e morreu em 1986.
ResponderExcluir