O primeiro poema visual de que se tem notícia no mundo ocidental data de 300 a. C., no reinado de Ptolomeu I. Em uma pequena ilha chamada Simi, a nordeste de Rodes, o poeta Simmias de Rodes construiu um poema em forma de ovo cuja leitura imprime simultaneidade à mensagem poética (O 1º verso é a primeira linha, mas o 2º é a última linha e o 4º, a antepenúltima, sendo que o último verso ocupa o eixo central do poema). O poema foi chamado de O Ovo, o texto fala do nascimento de Eros a partir de um ovo primordial, o Caos. O Ovo é o primeiro poema cuja forma atinge o significado, causando uma curiosa sensação de simultaneidade. O que chama atenção é a concepção visual e experimental da palavra poética, o desafio do jogo, do movimento e do conceito. Do mesmo poeta há uma sequência de poemas em forma de “coisa”, como os poemas Asas de Eros e O Machado. Nesses poemas se conjugam forma, palavra, ritmo e poesia.
Ainda na antiguidade grega há dois poetas que experimentaram com a visualidade da palavra, Julius Vestinus, Dosíadas, Teócrito.
No século IV, Porfyrius Optatianus cria um órgão de palavras, um poema que mimeticamente recria um órgão hidráulico. Em relação à estrutura, bem ao gosto dos futuros concretistas o texto é projetado minuciosamente tendo 26 linhas verticais, sendo que cada verso é acrescido de uma letra no topo, atingindo, desse modo, o último verso o dobro do tamanho do primeiro. Simulando o teclado, um verso horizontal transpassa o poema, logo abaixo, 26 versos menores simulam a base do instrumento. Essa disposição dita um ritmo poético diferente interferindo no tempo de leitura e no espaço do poema no papel.
Os poemas, dos primeiros séculos cristãos, exploram as formas (asas, corações, altares, instrumentos, cruzes, anjos, garrafas etc.). Eles estabelecem o modelo básico para a maior parte da poesia figurada que se produziu ao longo da Idade Média e Renascimento, quando a cultura ocidental revive o pensamento da antiguidade grega. Esses poemas miméticos de origem grega ficaram conhecidos como carmen figuratum ou carmina figurata. A ousadia visual desses textos esteve desde sua origem ligada a temas sublimes religiosos e de caráter místico.
No começo da Idade Média, Venâncio Fortunato, do século VI d.C. introduz em seus textos, conceitos de simetria e geometria, ao dar ao poema a forma de cruz, símbolo de cristandade e reconciliação com Deus.
Sob influência de Venâncio Fortunato, a produção do monge beneditino germânico Hrabanus Maurus se notabiliza por tratar a temática da criação divina de forma muito particular. Seu conjunto de 28 poemas, intitulados de De Laudibus Sanctae Crucis é enigmaticamente cifrado como em disposição geométrica mesclando imagem e texto verbal. Suas possibilidades de leitura são múltiplas porque os versos são inseridos de modo independente, se pode ler o texto como um todo ou em quadros separados que, por sua vez, encerram poemas a parte. Ele construiu um sistema de código de 36 versos que continham 36 letras espacializadas uniformemente em quadrantes. Sua linguagem era simples e logo se tornou popular. Alguns estudos sobre as HQs apontam o poeta como iniciador da técnica de comunicar em quadros. O modelo de Hrabanus é diferente do carmina figurata porque amplia a utilização da palavra figurada para a palavra que se quer icônica cujos signos de diferentes signagens se possam fundir. A poética do monge germânico aproxima-se das transgressões renascentistas, em especial do ludismo e do labirinto verbal barroco além do geometrismo dos concretos. Contemporâneos de Hrabanus ainda praticam a carmina figurata como o visigótico Teodolfo e o provavelmente africano Publins O. Phorphyrius. Do início do século XVI até meados do século XVIII, momento que corresponde esteticamente ao Maneirismo e ao Barroco, depois de um período de certa desvalorização do visual na poesia consequência da repetição exaustiva e banal de recursos figurativos dá-se a redescoberta daquela poesia, revestida de exuberante inventividade pictural exercendo efeito mágico e encantatório pela instabilidade tipicamente maneirista/barroca. A contextura paradoxal da poesia visual barroca funde numa mesma peça poética, ludismo e rigor matemático-combinatório, num arranjo visual que aceita todas as colaborações possíveis do acaso, antes mesmo de Mallarmé e John Cage. Desse modo, a poesia maneirista/barroca estabelece diálogo prodigioso com Oswald de Andrade, os Concretos e com a Poesia Experimental contemporânea uma vez que usa a visualidade, que herda de sua tradição cultural, como artifício do ofício poético, como forma de recusa de descontinuidade e não de repetição, a prova disso é que recursos já desgastados como anagramas, acrósticos, textos-amuleto são oxigenados criativamente dando lugar a verdadeiros labirintos poéticos que se multiabrem em possibilidades significativas. Uma vasta antologia, em língua portuguesa, dessa visualidade pode ser verificada em A Experiência do Prodígio de Ana Hartherly onde figuram o corpus visual do seiscentismo português. Como no barroco português, no barroco baiano percebe-se a tentativa de acordar o leitor para uma forma de leitura mais livre, uma reformulação do olhar para a apreciação do objeto literário.
(Leiam o texto integral de Percurso visual da poesia ou a diacronia do moderno poético na próxima edição da Zunái.)
Que maravilha !! Tudo isso é novo para mim. Vou dar uma pesquisada na biografia de Simmias.
ResponderExcluirCaro, dois livros muito interessantes sobre este assunto são A Casa das Musas e A Experiência do Prodígio, de Ana Hatherly, que com alguma dose de sorte você pode conseguir via site Estante Virtual... abraço do
ResponderExcluirCD