segunda-feira, 2 de novembro de 2009

POEMAS REJEITADOS


ANTICABEÇA (V)

Flor mercurial é o nome da cabeça.

O tempo, estojo de Tiépolo,
esparídeo desinventado em cor ausente.

Há um livro de olhos costurados.
Nele, meu rosto — múrice mineralizado em efígie.

O inútil confessar-se, fera samsárica grafada por si mesma
num alfabeto de poros.

Há uma espátula sobre a mesa corroída
e uma estátua de Buda com a tiara de moluscos.

O inútil perdoar-se, lesmas que se atracam
num vaso de pervincas.

Há um copo de água, terrores noturnos, rodelas de pão.

O inútil olvidar-se, quando a fera, enfastiada de si,
regurgita-se.


FATA MORGANA

A estranha irmã viaja em púrpura: pincela céu de sóis tatuados.

Galhos amorfos; rumor de lagartos;

fungos e olhos espectrais.

Com a espada-tiara de relâmpagos,

remove o rosto pálido das horas.

Desfaz a pedra e o grilo. Afunda em jade negro pétala e pégaso,

páramo e pássaro, piano e (púbis) pústula.

Até o limoso escárnio do Insaciado,

unívoco, unívoro, uníssono.


ESCARAVELHOS

Escuro é o caminho onde nos encantamos.
Fragmentados em cenários evasivos,
acreditando em impossibilidades,
lapidamos escamas de serpente albina,
seara difratada onde todo o amor coagula.
Somos lunares, aquosos, imprecisos;
ocorre que a música da pele incita ao jogo
de escaravelhos, à pureza do ácido
e da cicatriz.

(Poemas que excluí do livro Fera Bifronte; após desenterrá-los da gaveta, estou avaliando qual será o melhor destino para ele, incluí-los em outro livro ou sepultá-los de vez.)

10 comentários:

  1. Hilton2.11.09

    Onde é o mundo dos poemas sepultados?

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  2. Para chegar a ele, basta apertar a tecla Delete do teclado do computador... abraço,

    CD

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  3. Hilton2.11.09

    Fiz isso com meu projeto Murais de Pompéia. Não sei se voê lembra. É interessante como a atividade criadora anda sempre junta com seu oposto. Um abraço.

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  4. Eu nem sempre jogo fora os poemas de que não gosto. Ficam lá, esquecidos. Talvez matéria para reconstruções, talvez nada reste deles para a posteridade. Mas ficam lá, estátuas de sal. O que me incomoda nos poemas de que vc fala aqui é a escolha de alguns vocábulos que não são de uso comum e que parecem funcionar como uma força de mistério/hermetismo. Mas, são as minhas primeiras impressões apenas... Bjs!

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  5. Susanna, tudo bem? Agradeço pelo comentário! Na verdade, o uso de palavras estranhas, o hermetismo etc. fazem parte de minha poética, que se opõe frontalmente à linha coloquial-cotidiana derivada do modernismo. É algo programático. Porém, em qualquer orientação estética, há bons e maus resultados, e eu estou em dúvida quanto a esses resultados, não quanto à sua concepção. De todo modo, vou guardá-los na gaveta por uns tempos... beso,

    CD

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  6. Claudio

    Este momento da seleção e/ou exclusão dos poemas é mesmo um processo complicado. Mas eu gostei muito deles. Bjos.

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  7. Alguns amigos escreveram mensagens para mim, por e-mail, comentando os poemas. Horácio Costa prefere Escaravelhos (eu também), mudaria o título de Fata Morgana, mas manteria os três poemas. Leda Tenório da Mota também prefere Escaravelhos, e fez ressalvas aos outros dois. A princípio, concordo com Horácio e Leda: manterei Escaravelhos para o próximo livro, mas repensarei os outros dois. Não quero me desfazer deles, nem torná-los mais "simples" ou "compreensíveis", talvez faça uma reorquestração.

    Besos,

    CD

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  8. Eu adorei os poemas. Achei que vc transborda pelas bordas da linguagem. Lacan adoraria sua poesia.
    Um beijo: Bianca

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  9. De fato, Claudio, "Escaravelhos" é melhor... Não sou contra o uso dos vocábulos "estranhos", mas tenho dúvidas quanto ao efeito estético deles (ainda são minhas preliminares... precisaria refletir melhor, mas penso assim a princípio). Interessante que "Escravelhos" traz a ideia de um cenário mais contemporâneo, em termos do modo como nos sentimos, mergulhados em incertezas; e as imagens que vc cria colaboram para esse efeito.
    Bjs!

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  10. Susanna, gosto de usar palavras estranhas, fora do uso comum, minha dúvida com esses poemas é estrutural; não sei se estão bem desenvolvidos, se o grau de abstração é excessivo, enfim, se são bons ou maus poemas dentro da estética adotada. Por isso pedi a opinião dos universitários (rsss)... mas com certeza há um tempo razoável para eu refletir a respeito... grato por tua leitura e comentário! Beso do

    CD

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