MENSAGEM
E de pedras farei palavras
O mensageiro será o vento
Vencendo montes
Rompendo auroras
E as palmeiras aflitas
Não verão...
As lágrimas
Escondidas nas conchas.
SIBILAS
Temeroso perguntei às sibilas
Viver vale a pena?
Dentro da escura gruta
Elas teciam com fios de aranha
Davam aos dragões violetas
E nem perceberam a minha presença.
ATALANTA
Quando morrer
Vou para Atalanta
Dos livros distantes
Da poeira dourada
Onde engravidam as flores
E os rouxinóis falam
E as harpas escondem coelhos
Os horizontes perdidos
Estes poemas foram escritos por meu pai, Orlando Teixeira, em 1986, e publicados num pequeno jornal de bairro da época. Depois, foram incluídos por ele, junto a outras peças, escritas no mesmo ano, num volume que se chamaria O tocador de ocarinas, que permanece inédito (ele também escreveu artigos técnicos, crônicas e uma novela). Claro, são poemas situados no meio-fio entre o romantismo, o simbolismo e o modernismo de Manuel Bandeira, que meu pai apreciava (essa não foi a única, nem a menor, de nossas discordâncias literárias). Relendo os poemas, considero-os ingênuos, ainda que de melhor fatura que muita coisa escrita hoje em dia. Guardo esses manuscritos como recordação de nosso convívio, nem sempre tranquilo, e pelo que representam na minha formação e história de vida. Devo a meu pai o contato com os livros, a descoberta de Poe, Baudelaire, Augusto dos Anjos e tantos outros poetas, bem como o estímulo para a escrita criativa (ele foi o primeiro leitor de meus contos e poemas). Ele não foi uma pessoa fácil de se conviver: era excêntrico, obsessivo, teimoso, temperamental e nunca perdia uma chance para entrar em alguma confusão. Teve a oportunidade de ganhar dinheiro ensinando eletrônica numa universidade (foi convidado a lecionar, embora tivesse o segundo grau incompleto), mas recusou porque não lhe agradava o ambiente acadêmico. Preferiu passar boa parte da vida trabalhando em fábricas de caldeiras e equipamentos eletrônicos, por motivo que desconheço, e consumia o pouco tempo de lazer lendo (no original) Shakespeare, Lewis Carrol, histórias em quadrinhos do Tarzã, Nelson Rodrigues e livros baratos de ficção cientítica. Em sua discoteca havia um pouco de tudo, de Wagner a Noel Rosa, de Nat King Cole a trilhas sonoras de filmes americanos, o seu ecletismo foi, durante muito tempo, incompreensível para mim. No final da vida, bastante magro, abatido, com dedos amputados, queria conversar sobre o passado, contar a sua versão da história de minha família, justificar-se. Partiu durante o sono, sem dor; e nunca mais esquecerei a expressão de seu rosto, no último dia que o vi, no hospital, como se lutasse para manter a consciência. Guardo luto até hoje (passaram-se oito anos) por aquele que fez de mim o que eu sou.
E de pedras farei palavras
O mensageiro será o vento
Vencendo montes
Rompendo auroras
E as palmeiras aflitas
Não verão...
As lágrimas
Escondidas nas conchas.
SIBILAS
Temeroso perguntei às sibilas
Viver vale a pena?
Dentro da escura gruta
Elas teciam com fios de aranha
Davam aos dragões violetas
E nem perceberam a minha presença.
ATALANTA
Quando morrer
Vou para Atalanta
Dos livros distantes
Da poeira dourada
Onde engravidam as flores
E os rouxinóis falam
E as harpas escondem coelhos
Os horizontes perdidos
Estes poemas foram escritos por meu pai, Orlando Teixeira, em 1986, e publicados num pequeno jornal de bairro da época. Depois, foram incluídos por ele, junto a outras peças, escritas no mesmo ano, num volume que se chamaria O tocador de ocarinas, que permanece inédito (ele também escreveu artigos técnicos, crônicas e uma novela). Claro, são poemas situados no meio-fio entre o romantismo, o simbolismo e o modernismo de Manuel Bandeira, que meu pai apreciava (essa não foi a única, nem a menor, de nossas discordâncias literárias). Relendo os poemas, considero-os ingênuos, ainda que de melhor fatura que muita coisa escrita hoje em dia. Guardo esses manuscritos como recordação de nosso convívio, nem sempre tranquilo, e pelo que representam na minha formação e história de vida. Devo a meu pai o contato com os livros, a descoberta de Poe, Baudelaire, Augusto dos Anjos e tantos outros poetas, bem como o estímulo para a escrita criativa (ele foi o primeiro leitor de meus contos e poemas). Ele não foi uma pessoa fácil de se conviver: era excêntrico, obsessivo, teimoso, temperamental e nunca perdia uma chance para entrar em alguma confusão. Teve a oportunidade de ganhar dinheiro ensinando eletrônica numa universidade (foi convidado a lecionar, embora tivesse o segundo grau incompleto), mas recusou porque não lhe agradava o ambiente acadêmico. Preferiu passar boa parte da vida trabalhando em fábricas de caldeiras e equipamentos eletrônicos, por motivo que desconheço, e consumia o pouco tempo de lazer lendo (no original) Shakespeare, Lewis Carrol, histórias em quadrinhos do Tarzã, Nelson Rodrigues e livros baratos de ficção cientítica. Em sua discoteca havia um pouco de tudo, de Wagner a Noel Rosa, de Nat King Cole a trilhas sonoras de filmes americanos, o seu ecletismo foi, durante muito tempo, incompreensível para mim. No final da vida, bastante magro, abatido, com dedos amputados, queria conversar sobre o passado, contar a sua versão da história de minha família, justificar-se. Partiu durante o sono, sem dor; e nunca mais esquecerei a expressão de seu rosto, no último dia que o vi, no hospital, como se lutasse para manter a consciência. Guardo luto até hoje (passaram-se oito anos) por aquele que fez de mim o que eu sou.
claudio: com o tempo descobrimos que nossos pais fizeram o que foi possível. talvez estivessem tão perplexos quanto nós, diante deste mundo maluco. gostei dos poemas do seu pai. e achei bonito pacas seu texto. acho bonito esses ajustes de contas. grande abraço
ResponderExcluirAdemir, grato. É verdade, eles fizeram o que poderiam ter feito por nós, mas só percebemos isso muito tempo depois... abraço do
ResponderExcluirClaudio