sábado, 3 de abril de 2010

NAUTIKKON

Eu sou uma criança incorrigível: não há mais saída pra mim.

Eu creio em cavalo azul que respira música pelas narinas.

Sou anacrônico, talvez; eu creio em mulheres de vento que dançam tango rente às águas e mergulham nas águas pra colher anêmonas no fundo do mar.

É óbvio que a poesia é algo pra depois da morte física. Somos urdidos com milhões de fótons. Fóton: unidade de energia luminosa: a menor partícula possível da matéria.

Não é possível ver um fóton a olho nu; então estamos falando do invisível, que é um excesso de não ser.

O que em nós é invisível ressuscita: a música é invisível; a voz é invisível; o perfume é invisível.

A palavra, que guarda em si resquícios de um hálito, é igualmente invisível.

Niels Bohr diz textualmente: "Num pingo que faço, com a caneta, nessa folha de papel, há 10 milhões de átomos e 100 milhões de fótons".

Eu creio num fogo nas caves do pulmão; eu creio na barca da palavra, no sopro do abismo; eu creio, sim, na ressurreição, não do corpo, mas de nossa Tocata e Fuga visceral.

* * *

Sonho, ao amanhecer, já separado e longe, que estou pendurado na beira daquele terraço da Sunset Boulevard, com apenas uma das mãos, e se caio daqui, se não sei voar, mergulho nesta piscina que podia ter sido outra.

Estou condenado ao desespero – atravesso o deserto com uma pedra no bolso – arrasto encardidos pés pelas arborizadas, as ruas.

Carrego o coração vazio e uma palmeira na mente.

* * *

Coisa: aquilo que de algum modo é: assim coisa pode ser o Deus, uma linha de Paul Klee, um piano de Thelonius Monk, o areal, a xícara, o pão, o medo, o ventilador, a moeda persa, a clavícula, o aqueduto, a música de Mozart, o calabouço, o demônio, o vento, o abismo, a salgada branca espuma, o mantra, o astrolábio, o senhor Buddha. Nenhuma coisa é quando falta a palavra. Somente quando se encontra a palavra para a coisa, a coisa é coisa. Não será essa coisa, o que e como ela é, algo em nome de seu nome? Não se trata de agarrar com a palavra o que já está vigorando, nem de a palavra ser instrumento para a apresentação do que é dado. A palavra nasce no instante em que está sendo respirada: o uso é sua respiração. A coisa: o Deus, uma linha de Paul Klee, um piano de Thelonius Monk, o areal, a xícara, o pão, o medo, o ventilador, a moeda persa, a clavícula, o aqueduto, a música de Mozart, o calabouço, o demônio, o vento, o abismo, a salgada branca espuma, o mantra, o astrolábio, o senhor Buddha: só começa a respirar quando usamos a palavra. A palavra é que dá viço à coisa que, de algum modo, é. A pedra preciosa e delicada da palavra some quando a palavra falta. A palavra é um nada e esse nada é a voz do silêncio: a voz insonora. A voz do silêncio: aquilo que se ouve e não tem som. Aquilo que se ouve e não tem som, o que é? É nossa alma contruída durante o tempo: e alma é dessa matéria indizível: diamante sonoro ou perfume de mulher.

(Poemas de Fernando Karl. Leiam mais no blog http://www.nautikkon.blogspot.com/)

2 comentários:

  1. Meu querido Claudio,

    Eu adorei o seu blog. Adorei os artigos, os poemas as imagens, o poema em prosa do Karl que mistura poesia e filosofia, vou visitar o blog do Laboratório. Agora eu queria que vc visitasse http://emaranhadorufiniano.blogspot.com e postasse por lá seus comentários quanto aos meus poemas que para mim seriam muito importantes. E claro se ñ fose incomodo me falasse sobre a possibilidade de divulgar alguns de meus poemas no Zunai que para mim seria de grande honra. Abrçs. E mantenha contato sempre!!!

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  2. Márcia, agradeço pela mensagem, vou visitar teu blogue assim que rolar um tempinho.

    Abraço,

    Claudio

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