Engula meus pensamentos poluídos.
Purifique-me: que meus olhos se abram
Vejam o sorriso interior dos assassinos.
E uma vez pura
Judas crucifique-me.
* * *
Era ontem.
O primeiro poeta urinava seu amor
Seu sexo em luto cantava ruidosamente
As canções guturais
Das montanhas
O primeiro deus ereto sobre seu halo
Anunciava sua vinda sobre a terra esvaída
Era amanhã.
Mas os homens com cabeça de gato
Comiam seus olhos embaraçados
Sem notar suas igrejas que queimavam
Sem salvar suas almas que fugiam
Sem saudar seus deuses que morriam
Era a guerra.
* * *
O APELO AMARGO DE UM SOLUÇO
Venham mulheres de seios febris
Escutar em silêncio o grito da víbora
E sondar comigo o baixo nevoeiro ruivo
Que infla de súbito a voz do amigo
O rio é fresco em torno do corpo dele
Sua camisa flutua branca como o fim de um discurso
No ar substancial avaro de conchas
Inclinem-se moças intempestivas
Abandonem seus pensamentos de chapeuzinho
Suas imbecis molhadelas suas botas rápidas
Um redemoinho se produziu na vegetação
E o homem se afogou no licor
Tradução: Éclair Antonio Almeida Filho
(Leiam mais poemas da autora na edição de maio da Zunái.)
Joyce Mansour (1928 -1986), pseudônimo de Joyce Patricia Adès, nasceu em Bowden (Inglaterra), filha de pais de origem judaica. Viveu parte de sua vida no Egito, onde se casou. Mudou-se para a França em 1953, onde publicou seu primeiro livro, Cris (Gritos). Ficou conhecida como poeta surrealista, tendo colaborado inclusive com a revista brasileira Phala (1967), dirigida por Sérgio Lima. A autora publicou 16 livros de poesia, além de títulos em prosa e peças teatrais.
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