sapos circenses explodem na maquete citadina, muita gente assiste a morte dos anfíbios. um homem que diz ser cristo, o verdadeiro, sobe na mesa onde está a maquete e começa a latir enquanto o cheiro de enxofre sai da fumaça esverdeada. todos se dispersam com as mãos no rosto, inclusive ele, o cristo que vive no corpo daquele homem com alma canídea, atravessa a rua ao farejar um outro jesus e, mostrando-se superior na escala hierárquica da fraude, ataca, com sagrada inquietude, a face da segunda representação.
* * *
cavalos de chuva caem no mar, depois do estrondo o mar assemelha-se ao deserto. vê-se o rosto de sal e areia da mulher sem olhos, há um pensamento que compreende os efeitos da miragem. por vezes o rosto some, mas a imagem volúvel sempre retorna à memória silenciosa.
* * *
a madrugada é a continuação do primeiro caos. silício na atmosfera rompida, insolentemente, pelas estrelas. olhos rolaram pelos montes e sísifo-escaravelho-cansado não os levará de volta ao rosto. estão tateando o tempo, eventualmente prego nas mãos. o sangue que circula não é sentido com a mesma intensidade de quando escorre. numa mesa de operação ao ar livre, o nome sedado e aberto, dentro dele um rio escarlate e a inédita fúria do peixe que bate a cabeça contra as vísceras - margem do corpo.
* * *
ciclo alegórico, espelho planetário, branco portal de ativação. na lua o coelho dos ascetas respira no ritmo dos calendários maias, avista todas as construções e ruínas, dorme na cratera elevada. o sol nasce no canto do céu e logo o céu inteiro é um mar laranja, ondas nuvens, estradas rios. estamos afogados nos ecos dos nossos corpos, dos outros corpos, dos que nem sabemos a existência. conexão líquida, orgânica, perceptiva, invisível fluxo por onde tudo passa e nada se mantém intacto - do início ao fim as calopsitas atravessam os espaços, gritam alguma coisa e somem. estratégias amplificadoras de silêncios - as cascas de ovo, perfuradas, igualam-se aos abismos.
* * *
sair ao acaso é submeter-se à imprevisibilidade das circunstâncias. mas o acaso, ainda que até certo ponto, pode ser boicotado pelo modus operandi do raciocínio. as probabilidades de encontrar pessoas barulhentas em ruas silenciosas são mínimas, por isso escolher ruas silenciosas é diminuir a cota de azar do dia quando se preza o silêncio, o vazio e os espelhos que se formam por cima das poças assim que a chuva para. cães seguem precariamente iluminados, cães de rua raquíticos, sôfregos que, ao lado dos retirantes de Portinari, não destoariam, ao contrário, seriam novos elementos corroídos pela mesma insignificância que o vasto campo da desolação impõe. o sopro da morte não vem de longe, espectros em meio à travessia, por um instante, todo mundo quer morrer, ficam os que aguentam pela fé, pela loucura ou, abandonada toda a razão, sufocado todo o sentir, pelo automatismo apático da sobrevivência, quando já não há muitas escolhas a fazer. farelos, menos densos do que as cinzas da fênix. a renovação de tudo começa quando tudo acaba, o resto é gradativo como o eclipse. as horas, os minutos, os segundos, os milésimos de segundo enquanto estou, estás, estamos desenhando o círculo.
(Poemas de Camila Vardarac. Leiam mais no blog http://noz-motim.blogspot.com/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário