sábado, 27 de julho de 2013

FRAGMENTOS DE ALTAZOR / ALTAÇOR


Do Canto I

Altazor, por que perdeste tua primeira serenidade?
Que anjo mau parou à porta de teu sorriso
Com a espada em punho?
Quem semeou a angústia nas planícies de teus olhos como
    o adorno de um deus?
Por que um dia de repente sentiste o terror de ser?
E esta voz que te gritou vives e não te vês viver
Quem fez convergir teus pensamentos na encruzilhada de todos
    os ventos da dor?
Se rompeu o diamante de teus sonhos em um mar de estupor
Estás perdido Altazor
Só em meio ao universo
Só como uma nota que cresce nas alturas do vazio

Não há bem não há mal não há verdade nem ordem nem beleza

Onde estás, Altazor?

A nebulosa da angústia passa como um rio
E me arrasta segundo a lei das afinidades
A nebulosa solidificada em aromas foge de sua própria solidão
Sinto um telescópio que me apontam como um revólver
A cauda de um cometa me açoita o rosto e passa repleta de
    eternidade
Buscando infatigável um lago quieto onde possa  refrescar sua
    tarefa ineludível

Altazor morrerás Secará tua voz e serás
invisível
A Terra seguirá girando sobre sua órbita precisa
Temerosa de um tropeção como o equilibrista sobre
o arame
que ata as visões do pavor.
Em vão buscas olho enlouquecido
Não há porta de saída e o vento desloca os
planetas
Pensas que não importa cair eternamente se
consegues escapar
Não vês que estás caindo, já?
Limpa tua cabeça de preconceito e moral
E se querendo alçar-te nada tens alcançado
Deixa-te cair sem deter tua queda sem medo ao fundo
da sombra
Sem medo ao enigma de ti mesmo
Talvez encontres uma luz sem noite
Perdida nas gretas dos precipícios

Cai
Cai eternamente
Cai ao fundo do infinito
Cai ao fundo do tempo
Cai ao fundo de ti mesmo
Cai o mais baixo que se possa cair
Cai sem vertigem
Através de todos os espaços e de todas as idades
Através de todas as almas de todos os anelos e
todos os naufrágios

Cai e queima ao passarem os astros e os mares
Queima os olhos que tem vêem e os corações que
te aguardam
Queima o vento com tua voz
O vento que se enreda em tua voz
E a noite que tem frio em sua gruta de ossos

Cai em infância
Cai em velhice
Cai em lágrimas
Cai em risos
Cai em música sobre o universo
Cai de tua cabeça a teus pés
Cai de teus pés a tua cabeça
Cai do mar à fonte
Cai ao último abismo do silêncio
Como o barco que afunda apagando suas luzes

Do Canto II 

Mulher o mundo está mobiliado por teus olhos
O céu se faz mais alto em tua presença
A terra se prolonga de rosa em rosa
E o ar se prolonga de pomba em pomba

Ao ir, deixas uma estrela em teu lugar
Deixas cair tuas luzes como o barco que passa
Enquanto te segue meu canto embruxado
Como uma serpente fiel e melancólica
E tu voltas a cabeça atrás de algum astro

Que combate se trava no espaço?
Essas lanças de luz entre planetas
Reflexo de armaduras desapiedadas
Que estrela sanguinária não quer ceder o passo?
Onde estás triste noctâmbula
Doadora de infinito
Que passeia no bosque dos sonhos

Eis-me aqui perdido entre mares desertos
Só como uma pluma que cai de um pássaro na
noite
Eis-me aqui em uma torre de frio
Abrigado da lembrança de teus lábios marítmos
Da lembrança de tuas complacências e de tua
cabeleira
Luminosa e desatada como os rios de montanha 
Irias ser cega, e por isso Deus te deu essas mãos?
  
Do Canto III

Basta senhora harpa das belas imagens
Dos furtivos comos iluminados
Outra coisa outra coisa buscamos
Sabemos pousar um beijo como um olhar
Plantar olhares como árvores
Enjaular árvores como pássaros
Regar pássaros como heliotrópios
Tocar um heliotrópio como uma música
Esvaziar um música como um saco
Degolar um saco como um pingüim
Cultivar pingüins como vinhedos
Ordenar um vinhedo como uma vaca
Desmastrar vacas como veleiros
Pentear um veleiro como um cometa
Desembarcar cometas como turistas
Enfeitiçar turistas como serpentes
Colher serpentes como amêndoas
Desnudar uma amêndoa como um atleta
Cortar atletas como ciprestes
Iluminar ciprestes como faróis
Anidar faróis como calhandras
Exalar calhandras como suspiros
Bordar suspiros como sedas
Derramar sedas como rios
Tremular um rio como uma bandeira
Desplumar um bandeira como um galo
Apagar um galo como um incêndio
Vogar em incêndios como em mares
Segar mares como trigais
Replicar trigais como campânulas
Dessangrar campânulas como cordeiros
Desenhar cordeiros como sorrisos
Engarrafar sorrisos como licores
Engastar licores como jóias
Eletrizar jóias como crepúsculos
 Tripular crepúsculos como navios
Descalçar um navio como um rei
Enforcar reis como auroras
Crucificar auroras como profetas
Etc. etc. etc.
Basta senhor violino afundado em uma onda onda
Cotidiana onda de religião miséria
De sonho em sonho possessão de pedrarias
  
Do Canto IV

Olho por olho
Olho por olho como hóstia por hóstia
Olho árvore
Olho pássaro
Olho rio
Olho montanha
Olho mar
Olho terra
Olho lua
Olho céu
Olho silêncio
Olho solidão por olho ausência
Olho dor por olho riso.
Não há tempo a perder
E se vem o instante prosaico
Siga o barco que é acaso o melhor.
Agora que me sento e me ponho a escrever
Que faz a andorinha que vi esta manhã
Firmando cartas no vazio?
Quando movo o pé esquerdo
Que faz com seu pé o grande mandarim chinês?
Quando acendo um cigarro
Que fazem os outros cigarros que vêm no barco?
Onde está a planta do fogo futuro?
E se eu levanto os olhos agora mesmo
Que faz com seus olhos o explorador de pé no
pólo?
Eu estou aqui
Onde estão os outros?


Do Canto V

A montanha enfeitiçada  por um rouxinol
Segue o mel do osso envenenado
Pobre osso de pele de osso envenenado pela noite
boreal
Foge que foge da morte
Da morte sentada à margem do mar

A montanha o montanho
Com seu luo e com sua lua
A flor florescida e o flor florescendo
Uma flor que chamam girassol
E um sol que se chama giraflor

O pássaro pode esquecer que é pássaro
Por causa do cometa que não vem
Por medo do inverno ou de um atentado
O cometa que devia nascer de um telescópio e
uma hortênsia
Que acreditou olhar e era olhado
Um aviador se mata sobre o concerto único
E o anjo que se banha em algum piano
Volta outra vez envolto em sons
Buscando o receptor nos picos
De onde brotam as palavras e os rios

Os lobos fazem milagres
Nas pegadas da noite
Quando o pássaro incógnito se nubla

E pastam as ovelhas no outro lado da lua

 Do Canto VI

 Vento flor
                 lento nuvem lento
Seda cristal lento seda
O magnetismo
                        seda alento cristal seda
Assim viajando em postura de ondulação
Cristal nuvem
Molusco sim por violoncelo e jóia
Morte de jóia e violoncelo
Assim sede por fome ou fome e sede
E nuvem e jóia
Lento
           nuvem
            Ala ola ole ala Aladim
O ladino Aladin Ah ladino dino la
Cristal nuvem
Aonde
              de onde
lento lenta
            ala ola
Ola ola o ladino sim ladino
Pedes olhos
                     Tenho nácar
E na seda cristal nuvem
Cristal olhos
                     e perfumes
Bela tenda
Cristal nuvem
                       morte jóia ou em cinza
Porque eterno porque eterna
                                          lento lenta
Ao acaso do cristal olhos
Graça tanta
                     e entre mares
Miramares
Nomes dava
                      pelos olhos folhas mago
Alto alto
E o clarim de Babel
Pede nácar
                    tenho morte
Um dois e quatro morte
Para o olho e entre mares
Para o barco nos perfumes
Pela jóia ao infinito
Vestir o céu sem desmaio

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