segunda-feira, 14 de setembro de 2009

UM POEMA DE MIKLÓS RADNÓTI

SEXTA-FEIRA

O abril enlouqueceu,
O sol sequer raiara.
Fiquei mais sóbrio, numa
semana: enchendo a cara.

O abril enlouqueceu,
geando, hoje, te dana
Alguém escreve e trai o
país cada semana.

O abril enlouqueceu,
rangia a neve e, quando
fugiam, todos tinham
seus corações rachando.

O abril enlouqueceu
e ulula sobre o gelo.
Partiram três amigos.
Jamais voltei a vê-los.

O abril enlouqueceu.
Choveu, por vezes, forte.
Um deles vive doido
e ignora a própria sorte.

O abril enlouqueceu
e o rio encheu depressa.
Um outro já não vive:
dois tiros na cabeça —

morreu há quatro dias.
Um último foi preso
na guerra. Frutas gelam.
Sorrio com desprezo.

Tome cuidado — escuto,
e vingue-se de tudo...

18.5.1941

Tradução: Nelson Ascher


Nota sobre o autor: Miklós Radnóti nasceu em Budapeste, em 1909. Órfão de pai aos 12 anos (a mãe morreu durante o parto), foi criado por tios ricos. Estudou Administração e Técnica têxtil. Poeta e tradutor de poesia clássica e moderna, viajou a Paris, onde conheceu poesia de Apollinaire, que influenciou sua produção. Judeu e esquerdista, fez oposição ao governo do almirante Horthy, de tendência fascista, e escreveu uma série de éclogas sobre a Guerra Civil Espanhola. Após a invasão de seu país pelo exército alemão, foi internado em campos de trabalhos forçados. Faleceu em 1944, executado durante a II Guerra Mundial. É um dos mais notáveis poetas contemporâneos do idioma húngaro. No Brasil, alguns de seus poemas foram traduzidos por Paulo Ronái e por Nelson Ascher.

Um comentário:

  1. daniela15.9.09

    Bonito poema. Acho que a guerra é uma experiência exprimível só por quem a viveu...

    ResponderExcluir