"Em 1695, morria no Convento de São Jerônimo, Nova Espanha (hoje México), a monja, poeta e intelectual Sor Juana Inés de la Cruz, aos 47 anos de idade, um ano depois de ter sucumbido às pressões eclesiásticas do tempo e renunciado definitivamente ao mundo das letras. Deixava, para a sociedade da época e para a tradição literária hispano-americana dos séculos subseqüentes, não apenas uma obra prismática, composta de poemas, peças de teatro, escritos filosóficos, cartas e discussões teológicas, mas também uma lição de ousadia intelectual e lucidez crítica.
Além de ter dialogado, enquanto poeta, com os principais representantes do barroco de língua espanhola, ter aproveitado criativamente todas as formas literárias disponíveis e inventado outras — o que atesta a sua indiscutível importância na história da poesia colonial do continente — Sor Juana desempenhou um papel importante na defesa, em pleno século XVII, do direito de as mulheres terem acesso irrestrito aos livros e ao conhecimento. Não bastasse isso, ainda teve a coragem de discutir e desafiar - com uma habilidade argumentativa até então considerada privilégio exclusivo dos homens letrados - as idéias de um dos mais consagrados intelectuais do barroco ibero-americano: Pe. Antônio Vieira.
Tal desafio deu-se através da famosa Carta Athenagórica, de 1690, enviada pela monja mexicana ao então bispo de Puebla, Manuel Fernández de Santa Cruz, seu interlocutor intelectual. Nela, realizou uma minuciosa leitura crítica do Sermão do Mandato, desmontando, ponto por ponto, os argumentos teológicos do padre português em torno das 'finezas de Cristo'. Por motivos ainda nebulosos, essa carta foi publicada pelo destinatário ao lado de outra carta-resposta que o próprio bispo teria escrito sob o pseudônimo feminino de Sor Filotea de la Cruz, na qual discorda veementemente da freira, não sem antes elogiar suas qualidades retóricas. Abstendo-se de discutir os argumentos teológicos apresentados na Carta Athenagórica, o bispo de Puebla levanta dúvidas quanto à vocação religiosa da freira, visto que para ele, a dedicação por ela dispensada aos livros mundanos, à poesia e ao entedimento eram o atestado irrefutável de seu distanciamento das Sagradas Escrituras. A publicação dessas cartas foi o início de toda uma polêmica que ultrapassou as fronteiras do vice-reinado da Nova Espanha e adquiriu considerável repercussão nos meios clericais da Península Ibérica. E que levou a monja barroca a escrever sua fabulosa Resposta a Sor Filotea de la Cruz, uma espécie de relato autobiográfico, no qual faz a defesa apaixonada de sua vocação e de seu direito de exercer o ofício intelectual. Para isso, faz o elogio do saber multidisciplinar e da prática poética, retraça sua própria trajetória no mundo das letras e argumenta a favor das 'mulheres doutas' de todos os tempos. Atrai, com essa nova carta, a animosidade eclesiática, é abjurada pelo seu próprio confessor e, pressionada por vários prelados, acaba por se render, dois anos depois, ao silêncio e ao ostracismo.
Durante muito tempo, pelo menos até o final do século XIX, sua obra — publicada em três tomos, com última reedição em 1725 — também ficou silenciada. Sua figura ainda permaneceu, simbolicamente, através de alguns relatos biográficos, entre eles o do Pe. Jesuíta Diego Calleja, que se empenhou em ‘salvar’ a imagem da monja, relevando as suas virtudes religiosas e ocultando tudo o que pudesse obscurecer sua reputação. Procedimento esse repetido por vários escritores católicos. Foi necessário que uma mulher, Dorothy Schons, trouxesse à tona, no início deste século, o lado subversivo de Sor Juana e a revalorizasse enquanto mulher e intelectual, abrindo caminho para sucessivos, embora ainda precários, estudos sobre a sua vida e sua obra.
Além de ter dialogado, enquanto poeta, com os principais representantes do barroco de língua espanhola, ter aproveitado criativamente todas as formas literárias disponíveis e inventado outras — o que atesta a sua indiscutível importância na história da poesia colonial do continente — Sor Juana desempenhou um papel importante na defesa, em pleno século XVII, do direito de as mulheres terem acesso irrestrito aos livros e ao conhecimento. Não bastasse isso, ainda teve a coragem de discutir e desafiar - com uma habilidade argumentativa até então considerada privilégio exclusivo dos homens letrados - as idéias de um dos mais consagrados intelectuais do barroco ibero-americano: Pe. Antônio Vieira.
Tal desafio deu-se através da famosa Carta Athenagórica, de 1690, enviada pela monja mexicana ao então bispo de Puebla, Manuel Fernández de Santa Cruz, seu interlocutor intelectual. Nela, realizou uma minuciosa leitura crítica do Sermão do Mandato, desmontando, ponto por ponto, os argumentos teológicos do padre português em torno das 'finezas de Cristo'. Por motivos ainda nebulosos, essa carta foi publicada pelo destinatário ao lado de outra carta-resposta que o próprio bispo teria escrito sob o pseudônimo feminino de Sor Filotea de la Cruz, na qual discorda veementemente da freira, não sem antes elogiar suas qualidades retóricas. Abstendo-se de discutir os argumentos teológicos apresentados na Carta Athenagórica, o bispo de Puebla levanta dúvidas quanto à vocação religiosa da freira, visto que para ele, a dedicação por ela dispensada aos livros mundanos, à poesia e ao entedimento eram o atestado irrefutável de seu distanciamento das Sagradas Escrituras. A publicação dessas cartas foi o início de toda uma polêmica que ultrapassou as fronteiras do vice-reinado da Nova Espanha e adquiriu considerável repercussão nos meios clericais da Península Ibérica. E que levou a monja barroca a escrever sua fabulosa Resposta a Sor Filotea de la Cruz, uma espécie de relato autobiográfico, no qual faz a defesa apaixonada de sua vocação e de seu direito de exercer o ofício intelectual. Para isso, faz o elogio do saber multidisciplinar e da prática poética, retraça sua própria trajetória no mundo das letras e argumenta a favor das 'mulheres doutas' de todos os tempos. Atrai, com essa nova carta, a animosidade eclesiática, é abjurada pelo seu próprio confessor e, pressionada por vários prelados, acaba por se render, dois anos depois, ao silêncio e ao ostracismo.
Durante muito tempo, pelo menos até o final do século XIX, sua obra — publicada em três tomos, com última reedição em 1725 — também ficou silenciada. Sua figura ainda permaneceu, simbolicamente, através de alguns relatos biográficos, entre eles o do Pe. Jesuíta Diego Calleja, que se empenhou em ‘salvar’ a imagem da monja, relevando as suas virtudes religiosas e ocultando tudo o que pudesse obscurecer sua reputação. Procedimento esse repetido por vários escritores católicos. Foi necessário que uma mulher, Dorothy Schons, trouxesse à tona, no início deste século, o lado subversivo de Sor Juana e a revalorizasse enquanto mulher e intelectual, abrindo caminho para sucessivos, embora ainda precários, estudos sobre a sua vida e sua obra.
Não obstante tenham aparecido, ao longo deste século, importantes textos críticos e biográficos com a nítida preocupação de redimensionar a contribuição da monja mexicana para as letras hispano-americanas, pode-se dizer que o trabalho que realmente colocou Sor Juana no circuito cultural da América Latina e do mundo, foi o monumental livro de Octavio Paz, Sor Juana Inés de la Cruz o las trampas de la fe, publicado em 1982.
Paz, que sempre manteve uma relação dialógica com a tradição, preferindo lê-la sob o prisma das idéias de ruptura e de mobilidade (‘uma tradição que se petrifica se prolonga até a morte’, diz) vai, nessa obra, construir uma Sor Juana que se destaca tanto no contexto da literatura barroca de língua hispânica quanto no cenário da moderna poesia ocidental. Além de criar para si mesmo (naquela perspectiva de Borges, no Kafka y sus precursores) a sua precursora hispano-americana que, enquanto tal, nada fica devendo aos modernos poetas europeus, visto que o próprio autor a compara a eminentes representantes da "tradição da ruptura", como Mallarmé e Valéry."
(Excertos do ensaio O barroco à luz da modernidade: sor Juana Inés de la Cruz e Octavio Paz, de Maria Esther Maciel. Leiam o texto integral na página http://www.jornaldepoesia.jor.br/bh5cruz.htm)
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