sábado, 4 de fevereiro de 2012

NOVOS POETAS BRASILEIROS (XX)


ANTES QUE A NOITE MORDA

( Para Ana Lúcia Paterniani )


Cá estamos

com essa exclusiva insanidade

cotidiana

roendo unhas

entre caixas de aprazolan

e n cápsulas de sertralina,

cloridrato


A prescrição funciona

O pânico foi emoldurado

entre duas lâminas de vidro

e sustenta-se num parafuso

enfiado na parede

de um quarto

que evitamos


Bem-vinda é a chuva

nessas noites de alforria

conquistada

a faca e foice:


parte da água

percola nos jardins

e na terra dos vasos

e, como um homem comum

dará boa cama e boa seiva


a que despeja no telhado

- ó triste fado -

percorre rotas contorcidas

no interior de ductos

que quebram-se em ângulos

nos túneis de metal galvanizado

antes de lavar o chão do pátio


e a chuva do pátio

terá destino mais prosaico

num metrô de PVC

que desemboca na sarjeta


A estória dessas águas

sumaria a história de uma vida


e nesta noite de ação de graça

e bioquímica domada

pegamos uma tela em branco

pigmentos, pincéis

e criamos cenas de uma infância surreal


- P.S.:

As águas das pias, dos chuveiros

dos vasos sanitários

sentenciadas e servis

terão destino asqueroso


Antes que a noite morda

bendita é a chuva na loucura nossa

Assis de Mello é natural de Piracicaba, São Paulo. Biólogo com mestrado em Zoologia e doutorado em Biologia/Genética, é docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Campus de Botucatu, onde também se dedica ao estudo de insetos. Publicou o livro de poesia Na borda da ilha (Lumme, 2010).

Escreve o blogue http://coisasdochico.blogspot.com/

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