domingo, 9 de janeiro de 2011

TRÊS POEMAS DE JOANA CORONA


CALCÁRIO

da epiderme pálido-dourada ressequida impregnada em mim, de você. quero-me caracolear arrastando tempo caso suporte, em renovada carcaça. vejo camaleão quando posso enxergar-te, quando não absorvido na paisagem, até nem. e suas roupagens multiflex. multi face ta. da face mostra-me o entrecanto, curvatura média em contornos noturnos rígidos à ponta pontiaguda do nariz – sua máxima envergadura. boca que enruga palavra - encurvada, contraída. sugando-se corpo integral do que a boca é corpo, não fosse saliva-seiva nas bordas do beijo que invado letárgica numa investigação do que em você ainda é possível. recolhendo lábios feito colhedor de névoa, em espécie de congelamento gradual. na noite. impregnado de chumbo, metal pesado e outras reminiscências. permanente absorção contínua, boca a boca. e tudo que a tua mesma sangue-sugueia. da minha, alimentando-se. envenenando-me. continuo dilacerando lábios carnívoros que não cessam em encerrar-se corcundeando. embicando feito pássaro, acostumado à vertigem de viver em outro plano, entre rasantes e quadrantes aéreos. somos amantes de pedra, com características de caramujo - calcarizados, camuflados de gente.


CARÍCIA

caliciosa, amol-desfazia ossatura calcificada. peito calçado de carcaça ainda que maleável, escorregadia de limo. acúmulo de pegajosidades, umidezas que enrijecem, com o franzir dos cenhos, com o tempo. o silenciar é fenômeno que acontece, também, junto ao encolhimento de extremidades. certo aconcheamento, que pode chegar a selvagerismo, até. solidão tamanha ampliada ou aguçada. tem gente com aptidão de planta e tendência a pegar raiz. encurva, em se acostumar. e acostuma fácil à delicadeza do que passa lento, sem alarde. passa a desenvolver capacidade única de assimilar inutilidades e apreender seres secretos, que respiram quase sem respirar. e qualquer sopro sob a face, pode ser como brisa, malícia.


COMPRESSÃO

zona esponjosa (de perigo). porosa, absorve: cresce. agrega limite, além. cantos aproximam paredes (nos lados) e teto (assim como chão, abaixo). sem abertura ou fresta, lugar impenetrável. a não ser. orifícios sinuosos, agrestes. espinhosos feito pele ouriçada. é preciso aprender fluidez de plasma. gosma. rastro doce de leSmA que solta seu rastro doce. na superfície de pedra - inflexível. tem outro jeito, um segredo vivido. é que de dentro, única forma, quando junto ao sangue, percorre o corpo todo, contagia. solidifica-se aos poucos, feito cálcio, magma congelando, esfriando gradativa fervura de latência. organicamente.

corpo que cresce dentro do corpo. comprime.
(Do livro inédito Crostácea. Joana Corona é um dos nomes mais fortes da poesia brasileira recente, na minha opinião.)

Um comentário:

  1. Anônimo27.1.11

    Muito interessante! "Compressão" pude ler com cuidado, mais de uma vez (os outros demandariam outras leituras). Vertiginoso, visão que ultrapassa o olho. Realmente, muito bom!

    Abraços,
    Maria Luíza

    ResponderExcluir