A leitura dos poemas de Jade Luísa oferece ao leitor todo um universo de sensações plásticas e musicais, de finíssima sensibilidade. Ela investe na alquimia do verbo, à maneira de Rimbaud, descobrindo as analogias possíveis entre as imagens do mundo objetivo e as de seu mundo pessoal, habitado por uma singular mitologia. É evidente a proximidade de sua poesia com a estética simbolista de autores como Gilka Machado e Ernâni Rosas, e ainda com a de poetas portugueses contemporâneos, como Herberto Helder e Luiza Neto Jorge, mas a poeta e atriz potiguar revela em sua escrita todo um álbum particular de obsessões, em que encontramos imagens poéticas delirantes como “unhas terrosas”, “coxas falantes”, “sibilo verde-âmbar” e “língua do céu”. A intensa sinestesia poética de Jade Luísa convoca os nossos sentidos para uma experiência quase corporal com a palavra, que transpira como a pele ao sol. No poema Broto, dedicado a Jeannette Priolli, por exemplo, ela escreve: “Gritos férteis coagulam / úvula fêmea se rompe / engole pó e antipalavra // O fogo desponta do seio / chifres na boca do sol / cúrcuma tece a espinha / estiagem da língua // No canteiro do estômago / cultiva crisálidas / com a luz de quando abre a boca. // Em tempo de sangrar, vocifera / O que nasce não é palavra / Não é néctar / É lava”. Jade Luísa domina o instrumento poético e sabe urdir estranhas partituras que nos seduzem, aterrorizam e maravilham. Leiam abaixo três poemas da autora:
ECO
DE LUSCO-FUSCO
Escuto a água arranhando o vidro
Suas unhas rascunham calmaria e flores
Esqueço como a água sente a pele
Esqueço como a água rasga a pele
Os dias arranham o vidro
Esfolam as flores que a água rascunhou
Dissipam a face que a noite tingiu
O fogo a guerra os mortos, já não os sinto
Eles ainda vivem sob os sulcos do asfalto
Mas eu, tingida de noite, esqueço.
CONFESSO DEVANEAR-ME NOS SEUS DENTES
Então você olha pras minhas maçãs
e sorri quando percebe que elas ardem
até o pé da orelha,
bem no lugar que você beijou antes de
me dizer
mariposas e besouros.
Não sinto dor agora, apenas
quando eu me deitar sob as coxias do
inverno.
Elas protegem minhas orelhas da sua
saliva
mesmo quando eu não peço, mesmo
quando meu anseio maior é me
embaraçar no vazio entre a sua
gengiva e a sua
orelha.
SOBRE MULHER
GIGANTE AO DESCOBRIR AS GUELRAS
Eu navego mas não como marinheiro
sim como sereia
possuo a força das ondas
me arrebatam as ondas
me carregam as marés e navego
em lonjuras leves de espuma
de crista de onda
Possuo males e enganos
nunca como homens ou náufragos
eles que têm medo – e organizam
simpósios
e enciclopédias de medo
metrificam o medo
ceiam brindam gozam
e celebram o medo
em folhetins em manifestos
em congressos do medo
Eu não naufrago – tenho guelras e
seios
minha ciência minha arte
meu alimento meu sexo
são ancestrais:
aprendi com a minha mãe
que aprendeu com a mãe dela
que aprendeu com a mãe dela
os segredos da vida e da morte
E como sereia ainda me faço feia
bela apenas pra quem me toca
lhes nego então a dor feia dos olhos
a dor das orelhas
a dor dos dentes
e chupo seus dentes, os faço azul
Pois como boa sereia, azul e feia
ser meio peixe meio guelras
meio mulher mãe irmã
meio morte meio sexo
inteiro seio, inteiro astro,
inteira cais, farol e seio
para todas as que se tocam nas redes
afogadas de cabelos limpos, pretos e
limpos
Rede runa redário vivo
Toda vida rebenta [e morre]
no seio das sereias.
Agora eu falo pelas coxas.
Sigo contando histórias sobre como
estou
cega pela luz da sua garganta
surda pelo som do seu tórax
muda pelo eco das suas pupilas
inerte pela lava que escorre das
minhas coxas falantes
entoando elegias por detrás do seu
pescoço,
como quem enrola a língua ao
sussurrar seu nome.
Baixinho, para que só o desejo possa
ouvir.
Belíssimo!!!
ResponderExcluirLindos poemas!
ResponderExcluirMeu deus, que mulher maravilhosa!!
ResponderExcluirUma jade. Muito boa.
ResponderExcluirBelíssimos poemas e texto. Parabéns!
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