Claudio Daniel
Lourença Lou, poeta mineira, nascida em Belo Horizonte, revela em sua escrita poética uma linguagem substantiva, em tom seco e preciso, mas de alta intensidade emocional, em que ela desenvolve temas relacionados às relações interpessoais, à condição feminina, ao estar no mundo, a situações de poder, ao silêncio, à extinção e ao próprio discurso poético. A poeta utiliza elementos da metáfora, da alegoria, da ironia e do humor cáustico para construir partituras-pinturas do pensamento. Confiram abaixo alguns poemas da autora.
ATO FINAL
quando vieres
ó morte
o que levarei comigo?
talvez um obstinado descaso
pelas falsas carícias da vida
certo estilo no uso
dos saltos a comer calçadas
esta ilimitada admiração
pela coragem de Adélia
no inaudito louvor ao cu
confrontar a moral da igreja
me dirás com olhos de brasa:
traga os diários noturnos
que guardam com timidez
a versão de seu sexo felino
carregue a áspera meiguice
com que feridas amigas
beijaram-lhe os olhos
deram sentido à sua visão
e esta inveja que te grita
do mais profundo da gaveta
pela rosa de Drummond
e seu amor natural
enfim me dirás: esqueça
os cadernos de catecismo
você nunca se preocupou
em fazer malas no dia anterior.
EXPLOSÕES
querem-nos
medo
:
alguma chama
cólera
coração
querem-nos
pausas esparsas
entre risos amarelos
embora ignorados
por quem paralisa
nossa respiração
ainda podemos provocar
a bomba
que os surpreenderá
explosões
transitam em metáforas
da necessária resistência.
CARACÓIS
a exaurir pensamentos
bebo a noite
em lentos goles de realidade
na sem-razão da certeza
ardo estilhaços
do amor onde nunca aportei
mergulho em vagas do incorpóreo
e resgato guelras
dos caracóis em que me cultivei.
MURO
sob o esmeril do sol
a caricatura de um homem
escala o muro
da boca escorre uma baba lassa
no corpo o fardo de seus mil anos
mal distribuídos na carne desvalida
silêncios cochilam na tarde de sábado
um tiro fura a pasmaceira
prega o homem de cara no muro
rigor nos braços
pernas a exaustar o ar
mulheres dissimulam medo
crianças arregalam-se
homens louvam na farda e fuzil
o acato da lei
o amor faltou ao chamado do sábado
no muro o corpo em sangria
como um tiradentes enferrujado
finda a intenção de salvar
o cão preso nos fios
da garantia do patrimônio
com ganidos de vida partida
um urro de boi no matadouro
alheia-se o sábado de cara no muro.
PERIFÉRICOS
fogos atraídos
pelos estalos da pedra
raios a rabiscar
a mendicidade da rua
vidas a vomitar
enxurradas de delírios
na escuridão
dos estômagos vazios
procissão de mortos vivos
carne rasgada
a percorrer noites em círculos.
DESAGUES
não se desbrava esta mulher
com adornos e vigílias
não se descobre esta mulher
pela atração de seus pecados
não se desveste esta mulher
por seus desagues e fertilidades
precisa-se madurar de vermelho
suas anêmonas e águas vivas
espalhar orgias e espantos e enchentes
nas palpitações de seus lábios todos
amar esta mulher na pungência
e na mística do alimentar de seus seios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário