terça-feira, 28 de dezembro de 2010

POEMAS DE BERTOLD BRECHT (II)

A LENDA DA PUTA EVELYN ROE

1 - Veio a Primavera era azul o mar
Mas ela não sossegou
Com o último barco ao navio chegou
A jovem Evelyn Roe.

2 - Vestido bem simples cobria seu corpo
Belo celestial
Em vez de jóias o ouro só
Do seu cabelo tão sensual.

3 - “Meu capitão, ai, leva-me à Terra Santa
Anseio por meu Jesus!”
“Pois vem, mulher, porque bela és tu
E loucos somos nós!”

4 - “Cristo vos pague que pobre eu sou
Minh’alma é de Jesus, é do Senhor”.
“Pois dá-nos teu tenro corpo, mulher
Porque o Deus que tu amas não nos pode pagar
Pois já morreu na cruz”.

5 - Eles navegaram com vento e sol
E amaram Evelyn Roe.
Que comeu seu pão e bebeu seu vinho
Mas com lágrimas o amargou…

6 - Dançavam de dia
Dançavam de noite
E o leme ficou ao léu
Evelyn Roe era branda e doce
Eles duros qual pedra e fel.

7 - Ela viu primavera e verão passar
De sapatos rotos de noite andou
De verga em verga, perdido o olhar
Uma praia tranqüila quis vislumbrar
A pobre Evelyn Roe.

8 - Dançava de dia
Dançava de noite
Qual doente enlanguesceu
“Meu capitão, quando afinal
Terra Santa verei eu?”.

9 - Nas coxas o capitão sorriu
E beijando-as lhe falou:
“Quem disso tem culpa não sou eu
E sim a Evelyn Roe”.

10 - Dançava de dia
Dançava de noite
Qual cadáver ela ficou
E do capitão ao grumete, enfim
Todo mundo dela se fartou.

11 - Trapos cobriam seu corpo já
gasto ferido inchado
E grenhas imundas a lhe cair
No rosto desfigurado.

12 - “Jamais te verei, Cristo meu Jesus
Com meu corpo pecador
Tu não podes com puta Te encontrar
Com esta pobre mulher, Senhor!”

13 - Da popa à proa ela vagueou
Coração e pés a sangrar
Numa noite quando ninguém a viu
Ela se atirou no mar.

14 - E a onda glauca a acolheu
E o seu corpo alvo tornou
E agora bem antes do capitão
Terra Santa ela alcançou.

15 - Quando enfim chegou ao Paraíso
São Pedro o portão trancou
Deus disse:
“Não vou acolher no céu a puta Evelyn Roe”.

16 - Também quando ao Inferno ela chegou
A porta na cara levou
E o diabo gritou:
“Não quero aqui a beata Evelyn Roe”.

17 - Então ela anda de déu em déu
Ao vento e ao luar vagueando
Em verdade vos digo eu a vi passar

Tarde da noite… no campo a errar…
Às tontas, sem paz, sem jamais parar
Alma penada
Sem morada
A pobre Evelyn Roe.

Tradução: Tatiana Belink, Maria Alice Vergueiro e Catherine Hirsch

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