quarta-feira, 6 de outubro de 2010

LIBERDADE DE IMPRENSA?

Liberdade de imprensa, no Brasil, é a liberdade dos donos dos jornais, que impõem a sua versão dos fatos como sendo a "verdade". Quando um jornalista ousa desafiar essa versão e escreve algo que contraria a opinião de seus patrões, é censurado ou demitido, como aconteceu agora com Maria Rita Kehl, dispensada do jornal O Estado de S. Paulo por causa do artigo que segue abaixo. Esta é a "democracia" dos tucanos e da mídia.


DOIS PESOS...

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E - os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil - tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por "uma prima" do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da "esmolinha" é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de "acumulação primitiva de democracia".

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

2 comentários:

  1. Desde do início tenho a minha caixa postal infestada de e-mails sobre a opinião política e eleitoral de colegas, amigos, conhecidos, desconhecidos e inimigos. Eu, pacientemente, apago, alguns depois de ler, outros antes, esse tipo e coisa não me aborrece, até por acreditar nas diferentes correntes de opiniões e adorar discutir política, porém o que me aborrece profundamente é ver que esses e-mails, não são apenas opiniões de amigos e colegas, mas esquemas de uma massa que usa muita mentira e, principalmente, o sentimento de rebanho de nosso povo, por exemplo, recebi alguns dias um e-mail dizendo que a Dilma era e sempre vai ser terrorista, talvez seja, mas porque assaltou bancos na época da ditadura? Estamos votando agora por práticas de lutas dela e de outras pessoas que tinham por objetivo ver o país livre dos generais de ferro, basta escutar as músicas desse período, ver alguns filmes e etc. Che Guevara seria terrorista? Por sonhar uma América livre do domínio capitalista e injusto? Depende de banco se está sentado né? Caso esteja em um caminhão cheio de mineiros explorados, talvez ele fosse a salvação!

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  2. Caro Fabiano, na época em que Dilma militava na esquerda, contra a ditadura militar, José Serra pertencia a um grupo maoísta-católico chamado Ação Popular (AP), depois incorporado ao PC do B. A diferença é que depois da democratização do país Dilma continuou sua carreira política no campo das forças progressistas, agora no campo democrático-eleitoral, enquanto Serra foi para a direita, não recusando apoio nem da TFP. A violência revolucionária foi usada pelos por diversos povos ao longo da história, inclusive pelos norte-americanos, contra a dominação inglesa, ou pelos franceses contra a monarquia absoluta. Até na Bíblia há relatos de guerrilhas, que são formas de luta justas contra a opressão, em determinados momentos históricos. Hoje, no Brasil, podemos resolver nossos problemas pacificamente. O que a direita faz é tentar desqualificar Dilma, transformando-a num fantasma para assustar a classe média burra e conservadora. Enfim, uma manobra suja, destinada a fracassar. Abraço,

    CD

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