quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

POEMAS DE RUY PROENÇA

 












TERATOLOGIA

um rato
entrou
em mim

por isso
me digo
monstro

como imaginavam
os seiscentistas
(Ambroise Pare
sobretudo)
foi pela porta
de entrada
ou saída
de uma mulher
que me tornei
um

vão

por onde
pudesse
entrar o rato



INCENDIÁRIO I

a inconseqüência
mata
o medo

ateei o fogo
onde ele
não poderia estar

depois
o lancei
por cima do muro
do que sou

lancei o fogo
para além
do meu nome

a vizinhança
o mundo
incendiei

fogos de artifício
bombas
varreram o céu

e eu
de tão tolo
extasisado
esqueci de sair
do meu quintal



HOSPITAL

deitado na cama
na penumbra
de um quarto tranqüilo

ao pé da janela
persianas fechadas
faço ultrassom

do lado de lá
da parede

quem o coitado
na sala de cirurgia?

um ruído estridente
quase insuportável
de serra elétrica

e o baque seco
repetido
de uma marreta



RISCO

palavras
são lagostas entocadas
perigosas

cortou-me uma
ontem

não rogo praga
não desisto

ao contrário –
insisto

tento agarrá-las
pela parte de trás



PASSAPORTE

amor é menos
ou mais
que esse inesperado
presente passagem
em forma de orquídea
para outro mundo
além da matéria viva
intertravada?


(Poemas do livro Caçambas. São Paulo: ed. 34, 2015)

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