domingo, 27 de fevereiro de 2011

TRÊS POEMAS DE HEINER MULLER

EU SOU O ANJO DO DESESPERO
Eu sou o anjo do desespero. Com as minhas mãos distribuo a embriaguez, o atordoamento, o esquecimento, o prazer e o sofrimento dos corpos. O meu discurso é o silêncio, o meu cântico o grito. Na sombra das minhas asas habita o medo. A minha esperança é o último fôlego . A minha esperança é a primeira batalha. Eu sou a faca com que o morto abre a sua urna. Eu sou o que há-de ser. O meu voo é a revolta, o meu céu o abismo de amanhã.


O ANJO DA DESVENTURA
Atrás dele o passado dá à costa, despeja entullho sobre as asas e os ombros, como o barulho de bombos enterrados, enquanto à sua frente o futuro se estanca e lhe comprime os olhos e lhe rebenta o globo dos olhos como uma estrela, e transforma a palavra numa mordaça barulhenta que o estrangula com o seu oxigénio.


Durante algum tempo ainda se enxerga o bater das suas asas, ainda se ouve o êxtase do bater das pedras que caiem atrás , por cima e à sua frente, cada vez mais ruidosas, enquanto o movimento impetuoso mas inútil, esporádico, abranda.

Então, o instante fecha-se sobre ele: no pedestal , que rapidamente ficou soterrado , o anjo da desventura encontra a paz, à espera da história na petrificação do voo , olhar e hausto. Até que o poderoso murmúrio do bater de asas se dispersa, de novo, em ondas, por toda a pedra, e anuncia o seu voo.


FRAGMENTO PARA LUIGI NONO

A ERVA AINDA
TEMOS DE A ARRANCAR
PARA QUE FIQUE
VERDE

Em Auschwitz
A pegada da unha
Homem sobre mulher
Mulher sobre criança

Os cânticos quebrados

O coro sacro
Das metralhadoras

O cântico dos
esquartejados
As cordas vocais de Mársias
Contra Apolo
Na pedreira dos povos

A carne dos instrumentos

Mundo sem martelos nem pregos

Inaudito

Tradução: Luís Costa

Leia mais poemas de Heiner Muller na próxima edição da Zunái.

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