A primeira edição do Tordesilhas aconteceu em 2007, na cidade de São Paulo, com curadoria minha e da poeta Virna Teixeira, e reuniu cerca de 70 autores do Brasil, Portugal, Espanha e América Latina, desde autores jovens, ainda inéditos em livro, até nomes consagrados no plano internacional, como a mexicana Coral Bracho, o uruguaio Roberto Echavarren, o espanhol Joan Navarro e a argentina Tamara Kamenszain, entre outros participantes. Foi um evento histórico, que muito colaborou para a aproximação entre os poetas dos dois idiomas. Esta aproximação resultou no intercâmbio intelectual, na amizade, no conhecimento da produção poética de nossos vizinhos e também em iniciativas práticas, como a tradução de poetas de língua espanhola para o português e a tradução de autores brasileiros para o espanhol, com publicação em revistas literárias, sites e antologias. Para citar um exemplo, a coletânea Todo Começo é Involuntário, que reúne poetas brasileiros da novíssima geração, organizada por mim e traduzida ao castelhano pelo poeta chileno Leo Lobos, foi publicada na revista chilena El Navegante, e depois reproduzida em numerosas publicações eletrônicas na Espanha, Peru, México e outros países. Revistas brasileiras como a Zunái, Et Cetera, Coyote e Oroboro também publicaram autores da Venezuela, Equador, Chile e de outros países do continente. Houve ainda a circulação de artigos de análise crítica da poesia contemporânea brasileira e latino-americana nessas publicações, numa época em que a reflexão analítica sobre o fazer literário encontra pouco espaço fora do âmbito acadêmico. Por outro lado, a experiência do I Festival Tordesilhas indicou que, se foi possível ampliar a comunicação com a América Latina, ainda havia um diálogo escasso com os poetas de nosso próprio idioma, nos países da comunidade de língua portuguesa. A poesia portuguesa da segunda metade do século XX para cá ainda é pouco conhecida pelo público leitor brasileiro, fora do circuito universitário. Há poucos anos apenas saíram no Brasil livros de autores seminais como Herberto Helder, Ana Hatherly, Luiza Neto Jorge, e outros permanecem ainda inéditos em nosso país, como Salette Tavares ou Fiama Hasse Pais Brandão. Isto sem falar dos poetas que estrearam a partir dos anos 80-90. A poesia produzida em Angola, Moçambique, Macau, Goa ou Timor Leste, então, é praticamente desconhecida, fora ou mesmo dentro da universidade. Circula alguma coisa dessa produção em blogues e sites de literatura, mas não há livros disponíveis no mercado editorial brasileiro, com exceção de uma antologia africana lusófona organizada por Arlindo Barbeitos e do livro Ovi-sungo, Treze Poetas de Angola, este último organizado por mim e publicado pela Lumme Editor. De Moçambique, temos os romances de Mia Couto, e de Goa e Macau, apenas ensaios publicados por especialistas, como a professora Mônica Simas, da Universidade de São Paulo, que aliás publicou um artigo sobre a poesia de Macau no último número da revista Zunái.
Ou seja, o cenário é desolador, e não acredito que a poesia brasileira tenha divulgação melhor em Angola, Goa ou Timor Leste. Ainda somos ilustres desconhecidos para nós mesmos, apesar de falarmos o mesmo idioma e de termos tantos vínculos históricos e culturais. Dessa triste constatação, surgiram vários projetos com a mesma estratégia de borrar a linha divisória de Tordesilhas entre os nossos países. A revista Zunái, que circula na internet, publicou autores angolanos como Abreu Paxe e João Maimona, moçambicanos como Luís Carlos Patraquim, portugueses como Ana Hatherly e Casimiro de Brito, e no próximo número deve publicar poetas de Macau. A revista Et Cetera, editada em Curitiba até 2008, também publicou poetas africanos e portugueses, e a Coyote, em sua edição mais recente, publicada agora em maio, publicou um caderno especial dedicado a Anacrusa, de Ana Hatherly. No campo editorial brasileiro, a Escrituras tem publicado livros de autores portugueses contemporâneos, e a Lumme tem se interessado por projetos de divulgação de autores da lusofonia, como a citada antologia de poesia angolana e uma outra, prevista para futuro breve, de poesia moçambicana. Merece atenção especial as atividades desenvolvidas pelo poeta português Luís Serguilha, que tem sido um eficiente embaixador das letras brasileiras em Portugal. Ele é um leitor culto e atento da poesia brasileira mais recente, que tem divulgado com rara dedicação e empenho. Foi Luís Serguilha que me apresentou ao poeta e editor português André Sebastião, um dos responsáveis pela publicação da Antologia da Poesia Brasileira do Início do Terceiro Milênio, organizada por mim e editada pela 07 Dias 06 Noites. Ele também me apresentou a Jorge Melícias, poeta e editor da Cosmorama, que tem publicado livros de vários autores brasileiros contemporâneos de qualidade, como Ricardo Corona, Horácio Costa e Rodrigo Garcia Lopes. Luís Serguilha apoiou a realização do festival Portuguesia, organizado pelo poeta brasileiro Wilmar Silva em Vila Nova de Famalicão, e tem publicado periodicamente textos sobre poesia brasileira em sites como Cronópios. Todas estas iniciativas, a meu ver, são passos importantes para um intercâmbio que pode crescer ainda mais nos próximos anos, e a proposta do Festival Tordesilhas é justamente a de impulsionar novas ações neste sentido. Precisamos conhecer e divulgar o que se faz de mais inventivo hoje na poesia de Moçambique, Timor Leste, Brasil, Portugal, Goa, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné Bissau, enfim, em todos os países e territórios da comunidade de língua portuguesa, pois este é um legado cultural que pertence a todos nós. É a nossa riqueza cultural. Grato a todos pela presença!
(Comunicação que apresentei na mesa de abertura do Festival Tordesilhas, sobre o tema "O diálogo literário entre Brasil e Portugal".)
Cláudio, assino de cruz, toda a resenha deste post. E realmente, o Serguilha tem feito uma ponte fantástica, entre cá & lá...a poesia.
ResponderExcluirClaro que, desse lado, tu, o wilmar, o Edson, o Márcio e outros, tentam um trabalho que busca de forma extraordinária, não só os nomes mais representativos da poesia portuguesa e brasileira (muitos eles, ainda desconhecidos nos dois lados do imenso Atlântico, embora já consagrados nos pequenos jardins do seu país poético-literário), MAS SOBRETUDO, de novos nomes (muitos eles, com algo a apresentar e acrescentar) que até nas suas comunidades poéticas (país)são ainda quase desconhecidos!!!
A todos vocês (de cá e lá) um grade abraço de parabéns.
joão rasteiro
P.S. - eu,dentro das minhas parcas ilimitadas possibilidades, tenho feito alguma (e estou disponível para mais fazer)o que posso, para falar de poetas, poéticas - muitas vezes, também, de nomes ainda a procura de uma brecha por onde entre (ou saia) o ar puro!Enfim, falar de poesia nesta imensa PORTUGUESIA (aproveitando a boleia do Wilmar Silva)...
j.r.
Caro João, grato pela mensagem! Aos poucos, vamos criando pontes entre os poetas de Portugal e do Brasil... abração,
ResponderExcluirCD
Prezado Claudio Daniel
ResponderExcluirSua abertura foi magistral.
Numa próxima edição desse encontro que por estas bandas ocorra, certamente lá estarei.
Abçs
Celso Vegro
É notável, de facto, o excelente trabalho de Luis Serguilha, no sentido de que tem estabelecido uma ponte literária e cultural importantíssima em prol das letras brasileiras e portuguesas que enriquecerá, indubitavelmente, o panorama da poesia contemporânea com a dádiva e a partilha de experiências no colectivo, como é o exemplo do encontro "Portuguesia".
ResponderExcluirOlá querido amigo Claudio Daniel; apenas para acrescentar no item das revistas que publicam autores africanos de língua portuguesa; a revista do ponto de cultura "Laboratório de Poética" já publicou autores angolanos (existe versão PDF na internet), estamos preparando outras edições com autores caboverdianos e moçambicanos. Sei que é pouco mas vamos seguindo.
ResponderExcluirÓtima fala: "Ainda somos ilustres desconhecidos para nós mesmos".
Abraços poéticos desse amigo,
Neres
Cláudio, a divulgação da poesia, contos e crônicas africanas é algo a ser feito e melhorado. A literatura africana tem se espelhado na modernidade brasileira, sobretudo em Guimarães Rosa. É tempo de concretizar nomes e talentos entre-Continentes. É tempo de unir... abraços!
ResponderExcluirClaudio,
ResponderExcluirComo é bom ver estas "pontes" pelo mapa da língua!
Posso dizer que Portugal ainda conhece muito mais do Brasil, inclusive no campo literário, do que nós a eles, em qualquer campo... mas ir sentindo que isto vai se dilatando, e que não só Portugal, mas os demais países lusófonos vão sendo "descobertos" no campo das letras, em intercâmbio também cultural, é para festejar.
Parabéns pela parte em que te empenhas.
Katyuscia
Gosto desta mistura de uma língua só, falada de tantas formas diferentes em tantos países e continentes. Gosto da poesia bem escrita, bem sentida, bem composta, mesmo quando decomposta em versos tropofônicos,tropomórficos, mestiços, mesclados em tantas poéticas e de tantas almas.
ResponderExcluirValquíria Martins