quinta-feira, 2 de julho de 2009

ADEUS, AMIGO

Conheci o Rodrigo há uns dez anos.

Hoje, soube que ele foi embora. Recebi a notícia como um soco a nocaute.

Não sei o que dizer.

O que escrevo aqui é menos uma crônica do que um desabafo.

Rodrigo foi um poeta visceral; ele não buscava apenas soluções estéticas. A criação, para ele, era uma forma de iluminar o próprio caos.

Ele escrevia com as entranhas.

Poesia confessional? Sim. Apesar disso, deixou obras notáveis, como a novela Todos os cachorros são azuis e o livro de poemas O caga-regras.

Há muitos livros inéditos também, que ele guardou nas gavetas ou publicou na forma de e-books, como Impressões sob pressão alta, 25 tábuas, No lioral do tempo e síndrome.

Na web, é possível acessar dezenas de entrevistas que ele fez com outros poetas, inclusive comigo, e publicadas no site Balacobaco.

Sua produção era compulsiva.

É necessário que alguém organize todos os seus textos, na forma de edição crítica, para reunião em livro.

Mas não vou aqui fazer análise literária do amigo morto; já o fiz, quando ele era vivo, em dezenas de trocas de e-mails e em conversas telefônicas periódicas, e também no prefácio que escrevi para um de seus e-books.

Eu o encontrei pessoalmente apenas duas vezes, no Rio de Janeiro; a primeira foi em seu apartamento, quando fizemos a única reunião do conselho editorial da Zunái, há uns três ou quatro anos, e a segunda foi há poucas semanas, no Real Gabinete Português de Leitura, durante o festival Artimanhas Poéticas.

Fiquei surpreso por ele aceitar o convite para participar do recital, pois Rodrigo não saía de casa, nunca, por problemas de saúde (nos últimos meses, porém, chegou a fazer até um curso de pintura, e começou a dar voltas no quarteirão, algo impensável quando o conheci).

O que dizer sobre Rodrigo?

Que foi uma das pessoas mais doces que conheci?

Sempre gentil, generoso, compreensivo e, paradoxalmente, lúcido. Porém, muito cruel consigo mesmo.

Ele sabia que não ia ficar muito tempo por aqui.

Como Leminski, Torquato, Faustino.

Ele sabia que, em pouco tempo, ia cair fora do “triste hospital” de que falava Mallarmé.

E caiu fora, mesmo.

Hoje, recebi a notícia de que o meu amigo e parceiro na Zunái, desde o início da revista, virou constelação.

Adeus, Digo.

Você vai deixar muitas saudades em todos os que o conheceram e conviveram contigo.


"Guelras e silêncio. As formigas passeiam pelos peixes. Jonas e sua baleia estão expostos. À mostra, toda a tradição. Estandartes nas mãos. Crianças começam a cantar o estribilho do hino nacional. As bandeiras se masturbam no vento. Poetas discutem a complexidade do mundo sem complexidade. O hino é belo e a flâmula é verde e amarela. Eu só queria romper a bolha que me prende a esta casa e a estes metros quadrados. Eu iria à feira ver os peixes mortos. Sentir o odor fétido das sardinhas expostas. E não ler em algum lugar que tudo está à venda. Inclusive as cabeças dos líderes da oposição poética. Um a um decapitados por serem apenas diferentes."

(Poema de Rodrigo de Souza Leão, do livro O caga-regras. Pará de Minas: Virtual Books, 2009.)

13 comentários:

  1. belo obituário, claudio. a notícia de hoje foi tristíssima, inesperada. um beijo

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  2. pablo3.7.09

    quando recebi a notícia por email parei e não consegui pensar...

    Conheci-o pouco, somente alguns papos, mas senti o baque.

    ótimo poeta, ótimo escritor e ótima pessoa.

    que os ventos leves, espalharemos a todos.

    Salve, Rodrigo!

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  3. todo poeta que parte deixa atrás de si um rastro do vazio...a palavra fica mais seca, mais áspera a vida... Que ele repouse na sua paz imaginada...

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  4. abreu paxe3.7.09

    Que pena, recebi seu livro "Todos os Cachoros São Azuis", mal me preparei para retribuir a sua oferta e sou surpreendido com esta notícia. É profundamente lamentável este acontecimento. Só nos resta agora olharmos para a sua obra.

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  5. foi muito cedo... vai ver deus tava querendo uma poética outra...

    tudo de bom, rodrigo!

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  6. Que baque esse, CD! Conversava com o Rodrigo por e-mail. Sem dúvida uma das pessoas mais lúcidas e honestas que conheci. Uma pena, mas esse mundo não é um bom lugar pra gente sensível assim.

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  7. Agora compreendo o que me ocorreu ontem à tarde. Lia uns trechos do "Todos os Cachorros são Azuis" e me veio uma fortíssima dor de cabeça, coisa rara. Tive que me retirar para o quarto escuro até a coisa cessar. Mas não me saiam as imagens da novela. Já estava preocupado com a falta de posts recentes em seu blog. Agora compreendo. Triste.

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  8. Pablo3.7.09

    Quando soube da notícia, fiquei sem ação, não consegui nem pensar direito... Conheci-o pouco, alguns papos, alguns emails trocados, mas neste pouco senti a maravilhosa pessoa que ele é, além de ótimo poeta e escritor. Ventos leves para ti, meu caro, Salve!...

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  9. contrariedade e pesar não pequenos ao saber da notícia.

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  10. Muito querido o Rodrigo, fiquei super triste com a notícia. Encomendei o seu livro há poucos dias, mas lerei com alegria, em sua homenagem...ele era uma pessoa que enfrentava os problemas com humor e talento. Belas palavras, Claudio.

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  11. Ele só "queria romper a bolha que me prende a esta casa e a estes metros quadrados"

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  12. Anônimo4.7.09

    Claudio, uma perda imensa. E pensar que nos encontramos todos naquela noite aqui no Rio para encerrar o Artimanhas. Ele parecia muito bem, e, no entanto, agora partiu.

    O Rodrigo estava no auge de sua produção, escrevendo e criando sem parar. Com certeza perdemos muito com sua ida precoce: uma pessoa muito boa e gentil, um poeta integralmente.

    Abraços,

    Ponce.

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  13. Lígia Dabul4.7.09

    Estou muito triste. Uma pessoa interessante, e adorável. Gostava muito da poesia dele. Fiquei contente de conhecê-lo pessoalmente, no Real Gabinete. Ele anunciava o insólito disso, de sair de casa. E não quis ficar por lá mais tempo. Me deu o livro novo. Que pena que se foi. Lígia

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