quinta-feira, 2 de julho de 2009

UMA CONVERSA COM WILSON BUENO

Zunái: Uma característica que chama a atenção nos seus textos é a mudança de estilo, uma inquietação, parece-me, diante da língua errante, que precisa ser reinventada, renovada a cada instante. Neste aspecto, a sua obra é “infantil”, no sentido dado ao termo pelo filósofo francês Jean-François Lyotard e pelo filósofo italiano Giorgio Agamben, por exemplo, já que, constantemente, você reinventa o seu conceito e dá nomes novos às coisas, ou recorre a um novo estilo. Parece-me, por isso, que a magia (numa alusão à teoria de Agamben) da sua obra reside no fato de você não acreditar que ela tenha um destino específico e, desse modo, você a refaz o tempo todo e a deixa aberta para leitores de todas as faixas etárias. Você poderia falar sobre essa sua inquietude perante a linguagem?

Bueno: Brinco sempre dizendo que face ao sucesso de recepção de Mar paraguayo, andando hoje aí em vários países, objeto de teses de mestrado e doutorado em centros de referência da vida universitária, e com leitores apaixonados em vários sentidos, eu poderia fazer Mar paraguayo-2, Mar paraguayo-3, 4, 5, até ele virar aquele “horror-movie”, Sexta-Feira 13, que, se não estou enganado, já está em sua oitava versão... (na verdade, na 12ª). Eu quero sempre o inusitado, embora não haja nada de novo sob o Sol, como nos ensina sabiamente o Eclesiastes... Mas a literatura é de uma amplidão inimaginável, inesgotável.

De todas as artes. a que me parece mais poderosa no sentido da ampliação do imaginário. Em respeito a essa “natureza”, que é dela a sua maior marca, acho, a rigor, que nada mais faço do que honrar isso, ao lançar mão dessas possibilidades... Aí a incursão, a cada novo livro, por sendas, caminhos, bifurcações, atalhos, alagadiços... Costumo dizer que sou um pequeno buscador das tardes (melancólicas) da floresta... Se chego lá, aí já não é mais comigo, mas com quem se interessar possa por onde andou mi corazón perseguidor... Sim, você tem toda razão: sou um reescritor por excelência, tanto pela artesania obsessivo-flaubertiana do meu processo de criação propriamente dito quanto pelo reandar caminhos já andados movido por novos pés e quiçá, outros olhares. Reolho, reescuto, releio as coisas, poderia, também dizer, em ampliação da resposta à sua pergunta...

Zunái: No caso dos textos para crianças, espera-se que eles tenham moral edificante. Os chuvosos, por exemplo, narra, quase em tom enciclopédico, a vida de uma família de pingos de chuva até a sua transformação em “múltiplos gasosos”. Não há aí uma moral explícita. Aliás, já dizia Walter Benjamin que é uma bobagem achar que as crianças gostam das fábulas unicamente por sua moral. Porém, a despeito disso, só uns poucos escritores “ousam” quebrar as expectativas dos pais e da escola, a maioria dos livros não se afasta dos desfechos morais e edificantes. Como você vê a literatura infanto-juvenil brasileira hoje?

Bueno: Perdoe-me, mas com as altas e honrosas exceções de praxe, e bem ralas, acho que não temos uma literatura infanto-juvenil digna desse nome. Como é a faixa etária em que a venda do livro se torna mais fácil, os meninos do Brasil, no geral, estão muito mal-servidos. Escrevem cobras e lagartos movidos apenas pela sanha da grana que continua a destruir coisas belas... Sempre moralizantes, edificantes, numa disposição de ajudar a ensinar o certo e o errado que, olha, me dá engulhos... Cachorros do céu, além de outros coisas, também é uma resposta, digamos, “política”, a esta pasmaceira, herdeira dos edificantes La Fontaine da vida...

Eu adoro La Fontaine, porque é um fabulista fabuloso, mas tiro um sarro danado dele, chamando-o sempre de Dr. La Fontaine... Não perdoo, até hoje, ele ter punido a cigarra daquela forma... Curioso, menino atrevido, criado no sertão profundo até os sete anos, a ter, como bichos de estimação, coatis e macaquinhos, quando não filhotes de jaguatirica, feito gatinhos, embora estes já nasçam marcados por uma ferocidade absurda, logo que alfabetizado em Curitiba me contaram na escola a fábula da Cigarra e da Formiga... Fiquei furioso com esta última ao se negar a dar abrigo a quem lhe embalara os dias de trabalho sob a encantada maravilha dos sons mais lindos... Você sabia que o Braguinha, o compositor popular, faz uma chacota ao Dr. La Fontaine que acho antológica… Você a conhece? A formiga se dispõe a um autocrítica hilária: “Eu acho que tem razão,/ minha cigarra querida./ Vivo juntando mil coisas / e desperdiçando a vida”...
(Leia a entrevista na íntegra na edição de agosto da Zunái.)

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