1º.
POEMA
Nasceu em mim
uma fonte
nada sabia dessa água
até encontrar as margens
desta escrita
que quis fosse lisa
como pedra mármore
2º.
POEMA
Amendoeiras selvagens
em flor
a rasgar o verde
da mata de inverno.
Plenitude de maturidade
como relógio de areia
a marcar os quarenta anos.
3º.
POEMA
Um homem ao crepúsculo
sabe que os poetas e as mulheres
percorrem as ruas da cidade
na peregrinação dificílima do amor.
Esperam-nos em caves secretas
ungüentos e odores tropicais
então, um homem tranqüilo torna fácil a nudez.
4º.
POEMA
As velhas tias organizam velórios
e com o pêndulo do ocaso
invertem as rotas dos barcos
saídos do cais ao fim da tarde.
Ecos que já não lutam com ventos perigosos
de aromas marinhos
anseiam
chegar à ilha para ver os pássaros
e
preguiçar
na promessa de uma ilusão cumprida
Ao fim
da tarde...
E AGORA SÓ ME RESTAM
E agora só me restam
os poetas gregos.
O silêncio diz — esquece.
E o espinho da rosa enterrado no peito
é meu.
Os deuses não assistiram a isto.
* * *
talvez o nosso corpo
seja pequeno
para ser a casa
do amor
que não guarde só indícios
e
não troque só sinais e entregas
que não seja tranquilo
nem fiel à rosa
e ao fio da lâmina
* * *
cheguei às portas secretas
atravessei as passagens interditas
e
no labirinto que negou os meus
passos
vi tesouros que não eram meus
* * *
Ali estão elas de cabelos brancos
lisos ou em tranças apertados.
Ali estão elas suspensas sem um
suspiro,
sem uma lágrima.
Os cabelos brancos gritam
gritos alucinados.
* * *
Poeta, somos filhos da diáspora
olhamos para trás e desfilam
os que amamos.
Os deuses abandonaram-nos –
–
é conhecer o desespero
e saber
que uma mulher ajoelhada
não os faz regressar.
* * *
O rio corre manso
fumos sobem até ao azul-cinza.
A memória dos nossos corpos
perde-se nas águas.
E as nossas palavras
desfazem-se em círculos.
Perdemo-nos quando olhamos o rio.
Saudade de chegar ao mar.
* * *
A noiva costurava com pontos de
alquimia
o seu vestido branco.
Chegou a guerra e jaz morto
o noivo.
Ela não pode lavar
com o seu vestido feito de fumos e
água.
Vieram os soldados e levaram-na.
Para lá, onde cada palavra
é um silêncio
e cada silêncio
um túnel
como um olho cego.
* * *
O relâmpago desfez o sonho
como a raiz ficou nua na terra
seca.
Uma palavra matou a onça e a
zebra.
O porto é um abismo
e
das chaminés dos barcos
naufragados
saem fumos listrados.
Maria
Alexandre Dáskalos nasceu no Huambo
(antiga Nova Lisboa), em Angola, em 1957. Depois de ter frequentado o Colégio
Ateniense e o de São José de Cluny, licenciou-se na área de Letras. Devido aos graves problemas decorrentes da
guerra civil, em 1992 vem para Portugal com a mãe e o filho, reiniciando, em
Lisboa, os seus estudos em
História. Filha do poeta Alexandre Dáskalos e casada com
Arlindo Barbeitos, outro grande nome da poesia angolana, Maria
Alexandre é hoje uma das principais vozes femininas da poesia angolana. Publicou,
entre outros livros, os seguintes: O jardim
das delícias (1991), Do tempo suspenso (1998), Lágrimas e laranjas (2001).
Fantástico! Amei cada poema
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